O paranormal João de Deus, preso desde dezembro no Complexo Prisional Aparecida de Goiânia, em Goiás, acusado de centenas de crimes sexuais, foi transferido na semana passada para um hospital público por causa de problemas cardíacos. João parece combalido, cansado, fora de combate. Mas isso é só aparência. Seu balcão de negócios no exterior continua funcionando a todo vapor. Em décadas de trabalho internacional ele criou uma rede com dezenas de guias turísticos e espirituais atuantes na Europa, África e Oceania que hoje estão dedicados a convencer pessoas de que os crimes do médium não existiram e seu poder curativo é inabalável.
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São esses guias, homens e mulheres de total confiança de João de Deus , que arrebanham clientes e ainda trazem centenas de turistas estrangeiros todos os meses para a Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia. Eles contam com sites para promover viagens para o Brasil e vender produtos e serviços. Vendem, por exemplo, sessões em camas de luz de cristais, remédios de passiflora, bijuterias, jóias e até serviços de cura por celular. Atualmente, 90% dos visitantes de Abadiânia vêm do exterior.
Uma excursão internacional de duas semanas para a cidade custa entre R$ 15 mil e R$ 20 mil, dependendo da origem do turista. Considerando a frequência atual da casa, que não passa de mil pessoas por mês – nos tempos áureos, João chegava a receber 4,5 mil pessoas num único dia – o movimento financeiro gerado em torno da Casa Dom Inácio está em torno de R$ 15 milhões. Todas as semanas chegam turistas de países como Alemanha, Suíça, Finlândia, França, Itália, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia, que estão sustentando uma parte dos negócios criados pelo médium depois que ele saiu de cena.
“João de Deus tem uma clientela muito rica no exterior e há uma campanha de contra-informação em que se tenta apresentá-lo como um injustiçado e perseguido pela imprensa e por ONGs”, diz a psicóloga Maria do Carmo Santos, membro do Grupo Vítimas Unidas e ativista de direitos humanos. “Ainda há gente que acredita cegamente nos seus poderes e há consultas por telefone celular realizadas por médiuns ligados ao centro”. Maria do Carmo conseguiu acessar pelo menos 40 sites internacionais que promovem a Casa Dom Inácio.
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O guia Peter Waugh, representante de João de Deus na Nova Zelândia, mantém um site em que oferece serviços espirituais e pacotes de viagem para Abadiânia. Só neste ano ele montou duas excursões, em março e junho, e tem outra programada para novembro. Waugh, que é guia oficial da casa desde 2002 e controla um centro próprio no país chamado Casa de José, oferece as camas de luz de cristal, que custam R$ 12 mil, e também vende a coleção de bijuterias de quartzo, brincos de ágata e braceletes com a imagem de Santo Inácio de Loyola produzidos em Abadiânia com pedras retiradas das minas de João de Deus.
Waugh já tem excursões programadas para 2020. Na Suíça, o centro espírita é apoiado pela guia Julia Andrée, que, por meio do site Casa Lumière, oferece pacotes de viagem para Goiás, a 2800 euros, além de livros, quadros e imóveis para locação na cidade. Para ela, João de Deus ainda é um dos médiuns mais importantes do mundo.
Considerando a frequência atual de visitantes, o movimento
financeiro em torno da Casa Dom Inácio gira
em torno de R$ 15 milhões por mês
O trabalho dos representantes da Casa Dom Inácio vem sendo questionado pelo Ministério Público Federal (MPF) porque eles atuam de maneira informal. São guias turísticos e espirituais ao mesmo tempo. Vários deles trabalham como tradutores para a casa ou são donos de pousadas na cidade. O problema é que exercem a profissão de guia sem autorização. Pela legislação brasileira só é possível atuar na área com o cadastro do Ministério do Turismo. A profissão foi regulamentada. “Estamos exigindo que os guias se cadastrem para permitir um maior acompanhamento da Casa pelo poder público”, diz o procurador do MPF Wilson Rocha. A exigência do certificado pode significar um sério golpe na Casa Dom Inácio. Hoje sua sobrevivência está atrelada ao trabalho dos guias que tratam de manter o negócio funcionando com visitantes internacionais. Sem eles, a máquina espiritual de Abadiânia pode entrar em colapso.