Torturador de adolescente foi proibido de se aproximar da mãe de seus filhos

Nos últimos quatro anos, mulher denunciou duas vezes comportamento agressivo do ex-companheiro e segurança do supermercado à polícia

O caso de tortura aconteceu no supermercado Ricoy, na zona sul de São Paulo
Foto: Reprodução/Google Street View
O caso de tortura aconteceu no supermercado Ricoy, na zona sul de São Paulo

O relacionamento de dez anos entre David de Oliveira Fernandes e uma recepcionista de 34 anos só acabou de vez na tarde em que ele a agrediu com "tapas no rosto", a "empurrou em cima de móveis" e deu-lhe "um soco no peito", repetindo algumas vezes: "vou te matar". David é o segurança se supermercado e considerado pela polícia autor dos  golpes de chicote em uma adolescente de 17 anos, que teria roubado um chocolate do supermercado Ricoy, na Vila Joaniza, na Zona Sul de São Paulo.

O jovem foi despido, amordaçado e filmado pelos próprios agressores. Divulgado no início da semana pela TV Globo , o vídeo viralizou e levou a polícia a  pedir a prisão temporária de David e do outro segurança que também participou da sessão de tortura, Valdir Bispo dos Santos. Os dois estão foragidos.

Para a polícia, David agrediu o jovem e Valdir filmou a sessão de tortura . Os traços de agressividade do segurança não eram novidade para a polícia. Boletins de ocorrência, laudos e relatos registrados em três processos judiciais que tramitam com segredo de Justiça e tratam da relação de David com a companheira evidenciam um histórico de agressões e ação limitada do Estado para contê-la.

Em outubro de 2015, sua mulher, na época com 31 anos de idade, procurou a Delegacia de Defesa da Mulher para registrar a primeira denúncia de agressão contra o namorado. Uma discussão com ele, em casa, na presença dos filhos até então com 3 e 5 anos de idade, resultara em "tapas, socos e ameaças de morte", tendo como resultado a separação momentânea do casal.

Após a briga, houve uma tentativa de reconciliação, mas que acabou frustrada dois anos depois, no início de 2018, quando ela voltou à polícia para registrar o comportamento violento do marido e pedir proteção. Ela anexou ao processo imagens que registrou no próprio aparelho celular, de várias peças de louça quebradas no chão e a cozinha revirada depois de uma discussão do casal, além de marcas de hematoma no corpo. A discussão representou o rompimento definitivo do casal.

Por se tratar de comportamento reincidente, a delegada de plantão pleiteou no Judiciário a adoção de medidas protetivas de urgência, depois da vítima responder "sim" para as perguntas sobre " histórico de violência do agressor contra outras pessoas", a existência de "comportamento controlador, ciúmes e alegação de traição", e "uso drogas". No dia seguinte, a juíza Ana Paula Gomes Galvão Vieira, do Foro Regional de Santo Amaro, proibiu David de se aproximar-se a menos de 300 metros da vítima e estabelecer com ela qualquer tipo de contato. 

Em fevereiro do ano passado, oficiais de Justiça foram ao supermercado Ricoy da Avenida Yervant Kissajikian  - o mesmo onde o adolescente de 17 anos foi torturado neste ano - para notificar David sobre a decisão judicial. Uma funcionária disse que o segurança não estava presente. Dois meses depois, um outro oficial apareceu no local: o gerente geral da loja informou que nenhum David trabalhava ali. O segurança só seria oficialmente notificado sobre a restrição que recebera em março deste ano.

O mesmo problema se repetiu em relação ao primeiro caso de agressão: denunciado pelo crime de lesão corporal pelo Ministério Público em 2016, até esta quinta-feira David não havia atendido ao chamado do Judiciário para apresentar sua versão dos fatos. Uma audiência de instrução do processo está marcada para a próxima quarta-feira, mas não há expectativa de que compareça, já que nunca se conseguiu realizar sua intimação no processo. 

Por meio de nota, a assessoria do supermercado Ricoy informou que funcionários não associaram David ao seu apelido, Neto, quando ele foi procurado por oficiais de Justiça no estabelecimento, por isso não lhe foram entregues notificações judiciais. A assessoria lembrou que ele era um funcionário terceirizado. "Não havia uma relação formal nem o conhecimento do nome completo do segurança", informou.

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Localizada pelo jornal O Globo , a ex-companheira do segurança disse que gostaria de manter-se distante do caso, "por causa dos meus filhos". "É uma questão muito delicada para mim, temos dois filhos juntos. A Justiça já está cuidando disso, tenho que confiar e esperar".