Em 1.500 cartas, crianças da Maré pedem fim da violência e do 'caveirão voador'
Ação civil pública que fixava protocolos para operações policiais na comunidade da Zona Norte foi suspensa em junho deste ano
"Um dia eu tava na escola, no pátio fazendo Educação Física. Aí de repente o helicóptero passou dando tiro para baixo aí todo mundo correu para o canto da arquibancada. Aí quando passou o tiro a gente correu para dentro da escola até a minha mãe me buscar, aí eu fui para casa com ela. Quando deu mais tiro eu tava em casa".
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Este é um dos 1.500 relatos de crianças cujas cartas foram entregues ao Tribunal de Justiça na última segunda-feira (12). Os moradores da comunidade cobram a volta de uma ação civil pública (ACP) que regulamenta as operações policiais no local.
A ACP , suspensa em junho, dispunha sobre a presença obrigatória de ambulâncias durante as operações policiais, sobre a necessidade de filmagem das ações, instalação de câmeras nos capacetes policiais e instalação de GPSs nas viaturas. A suspensão da ação foi feita a pedida do governo do estado e deferida pela juíza Regina Lucia Chuquer de Almeida Costa Catro, da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
Em 2017, a Justiça concedeu liminar garantindo que essas diretrizes fossem cumpridas. Além disso, duas Instruções Normativas foram publicadas no Diário Oficial acerca do assunto, uma delas em outubro, durante a Intervenção Federal , quando o então secretário de segurança , general Richard Nunes, determinou, por exemplo, que as operações respeitassem horários de maior fluxo de pessoas, em geral no início e no fim do expediente escolar, e o impedimento de disparos em rajadas de helicópteros.
Veja algumas das cartas
"Não gosto do helicóptero" - "Eu não gosto do helicóptero porque ele atira para baixo e as pessoas morrem".
"Meu irmão morreu por causa dos policiais" - "Boa tarde. Eu queria que parassem as operações porque muitas famílias serão mortas . Agora, eu estou sem quarto porque vocês destruíram na operação . Todo mundo na minha escola chora, meu irmão morreu por causa dos policiais e eles bateram no meu primo. [...] Muito obrigado por ter lido minha carta".
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"Não dá para brincar muito" - "O ruim das operações nas favelas é que não dá para brincar muito. E também morrem moradores nas comunidades . Também têm muita violência".
"Estou escrevendo esta carta com uma caneta e não com um fuzil" - "Existem crianças e jovens dentro da comunidade que sonham em se formar médicos, advogados, professores, educadores esportivos, mas esses sonhos são interrompidos quando as ações policiais suspendem suas aulas. Parem e pensem se seus filhos passassem pela mesma situação todos os dias que a 'bomba estoura'. Lembrem-se que nas comunidades não existe uma 'fábrica de bandidos'. Cá estou eu escrevendo esta carta com uma caneta e não com um fuzil ".