Universitários, Matheus Massao e Lucas Henrique Silva defendem regulamentação
Yago Sales/IG
Universitários, Matheus Massao e Lucas Henrique Silva defendem regulamentação


O turista capixaba Umberto Neitzl, de 18 anos, não teve nenhuma dificuldade para comprar um vape - cigarro eletrônico - em uma das galerias da rua Oriente, no Brás (região central), em São Paulo

O jovem desembolsou R$30 pelo aparelho, também conhecido como e-cigarette, e-cig, e-pipe, e-cigar, e-ciggy e miniciggy.  Com algumas orientações básicas do vendedor, Neitzl vaporizou pela primeira vez na vida. “Usei sem qualquer problema”, diz ele, que não sabia que a venda do vape é proibida no Brasil

Ainda assim, seis entre dez bancas de jornal da Avenida Paulista (também na capital)  oferecem centenas de marcas do produto e seu refil à luz do dia, expostos em suas vitrines. Uma busca no Google também leva a uma série de opções em sites de venda do tamanho do Americanas.com, que retirou os produtos do ar depois de serem procurados pela reportagem do Ig.  

A comercialização de qualquer produto eletrônico que simule o cigarro tradicional é desautorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( Anvisa ) desde a publicação da Resolução n° 46, de 28 de agosto de 2009. Nesta quinta-feira (8), a Anvisa vai discutir a regulamentação do produto no território brasileiro. Durante dez horas, a discussão vai envolver a Anvisa, representantes da indústria do tabaco, que é a favor, organizações de saúde e ONGs antitabagistas. 

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À espera de posição à regulamentação, ou não, da Anvisa, cigarros eletrônicos são vendidos sem qualquer incômodo em galerias de São Paulo.
Ana Weiss/ IG
À espera de posição à regulamentação, ou não, da Anvisa, cigarros eletrônicos são vendidos sem qualquer incômodo em galerias de São Paulo.


Se dependesse do desenvolvedor Bruno Machado Vilela Cruz, de 25, o produto seria liberado. Cruz fumou pelo menos 20 cigarros por dia durante seis anos. Após comprar um vape, embora ainda utilize nicotina nos "juices" - o líquido vaporizado-, ele garante que melhorou sua qualidade de vida.

“Deixei o cigarro comum e vi que reduziu meu consumo [de nicotina]”. O desenvolvedor considera confiável a qualidade dos produtos que compra pela internet. “Para escolher o que vou comprar, verifico a durabilidade da bateria, a qualidade dos materiais e a facilidade de manutenção.” 

O jovem tem outro argumento para defender a regulamentação do produto: ninguém desconfia que ele vaporiza. “Não fico mais com cheiro de cigarro”, diz. O foco dele, no entanto, é reduzir a dosagem de nicotina da essência até parar de vez. 

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 Alberto Araújo, presidente da Comissão de Combate ao Tabagismo da Associação Médica Brasileira (AMB) não considera suficiente os estudos feitos sobre a diminuição do tabagismo com uso do cigarro eletrônico .

Araújo lembra que existem medicamentos testados para auxiliar o tabagista a parar de fumar, caso de adesivos e gomas a base de nicotina. “Não há nenhum sentido usar o próprio cigarro para combater outro tipo de cigarro”, defende.   

Segundo o antitabagista, quando o Brasil proibiu a comercialização do produto lá em 2009, impediu-se que a população consumisse “um produto sem comprovação na ajuda no tratamento do tabagismo, com indícios de toxicidade”. E, além disso, segundo o médico, impediu que jovens e adolescentes conhecessem os vaporizadores.

Não foi o caso dos universitários Matheus Massao, de 20, e Lucas Henrique Silva, de 21. Eles compraram vapes há pelo menos um ano e meio. E não deixaram de vaporizar um dia sequer.  

Matheus pesquisou na internet os efeitos e as consequências do cigarro eletrônico e sentiu segurança no produto. “Tudo faz mal, mano. Comida processada, por exemplo. O vape é melhor do que o cigarro de papel”, garante o estudante, enquanto vaporiza no intervalo da empresa em que estagia no Itaim Bibi, zona sul paulista. 

Matheus Massao, de 20 anos, conta experiência com cigarro eletrônico enquanto mostra como troca o frasco com essência.
Yago Sales/iG
Matheus Massao, de 20 anos, conta experiência com cigarro eletrônico enquanto mostra como troca o frasco com essência.


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Enquanto Matheus mostra como se retira a bateria de um vaporizador, Lucas conta que comprou o vape em uma viagem ao Paraguai. “Eu não uso com nicotina, mas uso por causa da fumaça e do sabor”. 

Vaporização X combustão

Rodolfo Fred Behrsin, médico pneumologista e professor da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade do Rio de Janeiro, explica que, um dos vaporizadores, o tabaco aquecido, não causa combustão das folhas e por isso tem efeito menos nocivo.

Sem combustão das folhas de tabaco, a liberação de toxinas é menor, comparado ao cigarro envolvido em papel. “São toxinas produzidas em temperaturas muito elevadas”, ressalta o médico.

Ou seja, enquanto o fumante do cigarro tradicional tem contato com a nicotina por meio da combustão, os vapes liberam a substância pela vaporização.

Por isso Behrsin defende que os cigarros eletrônicos são uma saída para quem quer parar de fumar, também argumento das indústrias do tabaco que esperam autorização da Anvisa para iniciar a produção e venda dos cigarros eletrônicos no Brasil. 


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A gerente de relações científicas da Souza Cruz, Analúcia Saraiva, vai participar da audiência na Anvisa, na qual deve citar estudos publicados em países como o Reino Unidos, que afirmam que os produtos oferecem 95% a menos de risco quando comparados aos tabacos. 

Segundo Saraiva, essas pesquisas favorecem o mercado nos países em que o produto foi liberado. “Há migração do cigarro tradicional aos cigarros eletrônicos”, diz. Enquanto na França os adeptos dos cigarros eletrônicos aumentaram, fumantes de cigarros de papel diminuíram. 

Do ponto de vista do consumo, as pessoas usam independente da proibição. “Em qualquer plataforma digital é possível comprar o produto, inclusive em feiras de importados. Na maioria das vezes não é possível nem saber a quantidade de nicotina. Com a regulamentação, poderemos deixar isso bem claro aos consumidores.”

Fabricação caseira

Em um dos quartos da casa onde mora com a família, um estudante de Engenharia Civil, de 22 anos, aproveitou o aumento da busca pelos vapes nas redes sociais e baladas paulistanas para lucrar. 

O universitário pesquisou  na internet a lista de substâncias e as formas de preparo. Depois de algumas experiências, acertou na dosagem dos ingredientes e, em poucos dias, passou a produzir e vender essências. Um ano depois, vende para 11 lojas e faz entregas, até de metrô, na Grande São Paulo. 

“Comecei por hobby e fui expandindo com as vendas. Estou focado em crescer”, diz o jovem, que vende seu produto no Instagram, e em sites como o Mercado Livre. “Cada frasco eu vendo por R$35”. Na base da confiança, as 300 unidades que entrega por mês não têm qualquer informação sobre a composição do produto.

Mesmo sem autorização, jovem fabrica frascos de essências e vende para lojas da Grande São Paulo e em lojas virtuais.
Ana Weiss/ iG
Mesmo sem autorização, jovem fabrica frascos de essências e vende para lojas da Grande São Paulo e em lojas virtuais.


A desinformação é utilizada pelo diretor de Assuntos Externos da Philip Morris Brasil, Fernando Vieira, como pretexto para a regulamentação. “Vamos argumentar que o nosso produto terá comunicação consciente para essas novas tecnologias. E deixar claro que os cigarros eletrônicos são para adultos fumantes”, explica. "Claro que a melhor opção seria parar de fumar. Mas nosso produto é melhor do que o cigarro convencional. Falamos de produtos que, ao invés de queimados, são aquecidos. E ainda tem a redução drástica no tóxico", defende.

O interesse das companhias tabagistas na regulamentação dos vapes no Brasil se reflete em suas relações institucionais e nas suas múltiplas possibilidades de ganho com esse mercado. A Philip Morris Brasil, por exemplo, não tem associação direta com empresas de vaporizadores no país. No entanto, a Philip Morris internacional atua em quase todo o mundo, à exceção dos Estados Unidos. Por lá, seus produtos são distribuídos pela gigante Altria, que, coincidentemente, detém 35% da Jull, maior fabricante de cigarros eletrônicos do mundo. 

No Brasil, a companhia que atua distribuindo vaporizadores, com atendimento por WhatsApp, foi batizada de Juul, versão tupiniquim da gigante norte-americana. Em conversa com o iG,  o atendente afirma que são vendidas cerca de mil caixas semanais do produto ao custo de R$ 400 cada. 

No bate-papo, o vendedor afirma que a Juul Store Brasil é a maior do Brasil. Sobre a confiabilidade da entrega dos vapes após o depósito do valor, o intermediário recomenda que a reportagem procure reclamações em sites. "Não temos uma reclamação sequer", diz. 

Outro caso de venda foi identificado no site das Lojas Americanas. O produto, vendido por R$174,24, pode ser parcelado em até 10 vezes. Após consulta da reportagem, por e-mail, a rede excluiu o anúncio e justificou por nota:

Depois de ser consultada pelo iG, Lojas Americanas excluiu o conteúdo.
Reprodução
Depois de ser consultada pelo iG, Lojas Americanas excluiu o conteúdo.

“O marketplace da B2W Digital é uma plataforma na qual os vendedores dispõem seus produtos em várias categorias. Se e quando identificada qualquer desconformidade, a companhia adota as providências necessárias, seja de retirada de itens e até o descredenciamento dos vendedores”, respondeu a rede.

A Anvisa informa que possui equipe de fiscalização que monitora a internet regularmente para averiguar desvios. "O comércio eletrônico dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar é fiscalizado diretamente pela Anvisa", diz nota. Ainda segundo o órgão, entre os anos de 2017 e 2019, a Anvisa retirou cerca de 727 anúncios de Dispositivos Eletrônicos para Fumar, incluindo os cigarros eletrônicos.   

"Por fim, é importante ressaltar que a Anvisa atua conjuntamente com os órgãos policiais e com a Receita Federal para identificação de produtos ilegais e adoção de medidas cabíveis para o combate ao comércio ilícito", conclui o órgão. 

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Com ou sem nicotina

Quanto à redução de tóxico, Silvia Cazenave, toxicologista farmacêutica e bioquímica, concorda. “Um toxicologista, quando compara os dois produtos, ressalta que a nicotina continua sendo fornecida ao consumidor, causando dependência.”

Por outro lado, defende ela, pode diminuir diagnóstico de câncer causados por substâncias do cigarro tradicional. “Não quer dizer que o produto não seja nocivo, mas reduz danos”, esclarece. 

Para ela, a regulamentação seria positiva por três motivos: " A proibição impede que as pessoas sejam informadas, impede que elas usem produtos de qualidade e impede que o produto ofereça redução de danos.”

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Jaqueline Scholz, coordenadora da Área de Cardiologia do Programa de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas ( InCor )  acredita que a liberação pode atrair novos fumantes.  “O produto é novo, mas a  gente não. O poder de satisfação é evidente e o poder de vício do produto é altíssimo”, alerta. 

Para ela, o aroma do novo produto vai atrair mais jovens e, com isso, aumentar o quadro de doenças cardiovasculares. “Certamente, vai aumentar o número de infartos e de acidente vascular cerebral”, aponta. 

Enquanto a Anvisa não decide pela regulamentação, Prado, de 32 anos, pseudônimo de um ex-camelô da 25 de Março, continua distribuindo vapes em São Paulo pela internet.

Ele era vendedor de bugigangas na rua quando percebeu a grande procura pelos cigarros eletrônicos. Deixou de vender pen-drives e se dedicou aos vapes. “Comecei a vender uma canetinha [que vaporizava]. Foram aparecendo novos modelos e esse negócio se tornou o que é hoje."

Ele, por sua vez, reconhece que, por causa da ilegalidade, o mercado de vape é fraco no Brasil. Prado não quis comentar rendimentos, mas garante que o negócio é lucrativo. “Ganho muito mais do que antes. Se fosse regularizado, o Brasil seria mais forte, como a Inglaterra, Portugal e Estados Unidos. As empresas de tabaco se lascaram com a chegada dos vaporizadores. O pessoal larga do cigarro e utiliza vape.” 



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