Patroa branca registra queixa de racismo contra doméstica em São Paulo

Veterinária, que é loira e de pele clara, diz ter sido vítima de discriminação racial por parte de empregada que a chamou de "encardida do sul"; entenda

Ana Luiza Ferraz diz ter sido vítima de racismo; veterinária diz que foi alvo de discriminação por parte da empregada
Foto: Reprodução/Facebook
Ana Luiza Ferraz diz ter sido vítima de racismo; veterinária diz que foi alvo de discriminação por parte da empregada

Uma mulher branca e loira procurou a Polícia Civil de São Paulo para prestar queixa contra a sua empregada doméstica, também branca e loira. A divulgação das características físicas das envolvidas se faz necessária porque a veterinária Ana Luiza Ferraz, 32 anos, afirma ter sido vítima de discriminação racial por parte da funcionária que prestava serviços em sua casa. 

Leia também: Vídeo flagra caso de racismo no centro de SP: "Sou racista sim, e daí?"

No boletim de ocorrência, a denúncia foi registrada como injúria racial e um inquérito foi instaurado para apurar o crime. As ofensas dadas como racismo foram feitas em abril, quando a funcionária, que havia se desentendido com a sua patroa, enviou, por engano, uma mensagem de voz ao marido da patroa. No áudio, a empregada se referia a Ana Luiza como a "encardida do sul" e a "cachorra do sul". 

Demitida, a funcionária passou a enviar mais áudios a sua agora ex-patroa, que resolveu recorrer à polícia. Ana Luiza é do Paraná e possui um sotaque carregado de expressões sulistas. Segundo o jornal Folha de  S.Paulo , a  queixa foi levada à polícia em abril pela advogada da veterinária, Roselle Soglio, que disse ter percebido um componente racial nas ofensas.

A advogada justifica a queixa por racismo segundo o parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal, que qualifica uma declaração como injúria racial se "consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência". No entanto, Soglio afirmou que  os policiais do Decradi (delegacia especializada em crimes raciais) não queriam registrar o boletim.

"Com muito custo foi registrado um boletim de ocorrência. Eles não queriam. Fiquei mais duas horas ali [na delegacia] para ser registrado. Tive de mostrar o documento e foto dela para acreditarem", disse a advogada.

Leia também: Mulher denuncia racismo após ser acusada de furto em farmácia de Salvador

A mulher acusada de ter sido racista também é uma mulher branca. Aos 55 anos, ela é moradora de Taboão da Serra, município da Grande São Paulo e não teve seu nome divulgado. O caso foi transferido para 23º DP, em Perdizes, onde um inquérito foi aberto. Ana já foi ouvida, mas sua ex-empregada ainda não.

A veterinária relatou aos policiais que não chegou a ter problemas anteriores com a empregada, com quem tinha pouco contato. Segundo ela, a suposta agressora poderia estar chateada em razão de um empréstimo de dinheiro solicitado, que foi negado.

Para a presidente da comissão da Igualdade Racial da OAB-SP, Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, é possível uma pessoa branca registrar um boletim de ocorrência por injúria racial, já que a lei não especifica raça ou cor da vítima. Segundo ela, esse tipo de queixa só é pouco conhecido porque o branco, em regra, não se enxerga como pertencente a uma raça.

Leia também: Mulher negra sofre racismo ao tentar entrar no seu próprio apartamento em SP

"Ele não se vê racializado, porque acha que raça é só a do outro, do índio, do negro, do amarelo. Para ele, o ser humano universal é o homem branco, heterossexual e de religião judaico-cristã. Os outros é que são raças, os outros são os diferentes", disse.  Se condenada por racismo , a ex-empregada pode ficar detida pelo período de um a três anos, além de ter que pagar multa.