O agronegócio  é esponsável por cerca de 20% da atividade econômica do país, empregando 19 milhões de trabalhadores. Enquanto sua estimativa de crescimento para 2018 é de 3,4% (Cepea/Esalq – USP), o PIB brasileiro não deve passar dos 1,5% (Focus- Bacen). “Algumas autoridades não entendem isso e apoiam leis que colocam em risco este setor”, diz Frederico d'Avila, diretor da Sociedade Rural Brasileira.

Na entrevista abaixo,  Frederico d'Avila  comenta de forma franca e direta as leis paulistas de proibição da caça ao javaporco e de exportação de animais vivos, assim como os projetos de lei para extinguir a aviação agrícola e impedir o confinamento de animais, que segundo ele, são um atraso e representam um risco real para nossa economia, afetando empregos, abastecimento interno e exportação.

Javaporco, ou Porco Feral, é uma espécie invasora, não natural do Brasil. Com postura muito agressiva,  causa grandes prejuízos ao produtor rural ao destruir plantações e ser um vetor de doenças
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Javaporco, ou Porco Feral, é uma espécie invasora, não natural do Brasil. Com postura muito agressiva, causa grandes prejuízos ao produtor rural ao destruir plantações e ser um vetor de doenças

- No que consiste a polêmica do javaporco?
O javaporco é um suíno hibrido e exótico desenvolvido na Europa, resultado do cruzamento artificial do porco doméstico como javali africano selvagem, com objetivo de produzir carne de melhor qualidade, com ciclos de reprodução mais rápidos, para comercialização. O resultado genético foi um animal enorme, que pode pesar até 250kg e que, em função do seu comportamento bastante agressivo, também é conhecido como “ porco feral ”. O javaporco foi introduzido no Uruguai e Argentina para a caça esportiva, mas nos anos 90 eles cruzaram a fronteira do Brasil e invadiram no nosso ecossistema. O efeito foi devastador.

- Por que?
O javaporco é uma espécie invasora, não é natural do Brasil. Com três meses de vida, uma fêmea já pode reproduzir, gerando de 14 a 16 filhotes, repetindo este processo até 4 vezes ao ano. Com exceção da onça, ele não possui predadores naturais, o que significa que seu crescimento populacional é fora de controle. Como sua dieta é baseada em vegetais, frutas, sementes, e até animais de pequeno porte como aves, bezerros e filhotes de cavalos, nossas fazendas e terras cultivadas são o alvo perfeito deste animal.

- Mas existem outros animais selvagens que também passam por fazendas
Com o javaporco é completamente diferente. Em função do seu comportamento agressivo, e por andar em bandos de até 60 animais, ao revirarem o solo cultivado e se alimentar, eles destroem plantações inteiras, mananciais, nascentes e matas nativas, causando enormes prejuízos para os produtores rurais e para o meio ambiente. Como muitas das nossas culturas são anuais, uma vez que o javaporco destrói uma plantação, o prejuízo é certo: aquele produto só estará disponível na próxima safra. Para piorar, esses animais são vetores de transmissão de várias doenças, como febre aftosa, raiva e leptospirose. Esse comportamento destrutivo já é conhecido e combatido em vários países, como nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália. Após invadirem o sul do nosso país, eles rumaram em direção norte, e alcançaram São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia. Dezesseis estados no Brasil estão enfrentando esse problema.

Rastro de destruição deixado por um grupo de japorcos em uma plantação
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Rastro de destruição deixado por um grupo de japorcos em uma plantação

- As autoridades brasileiras ficaram alheias a este problema?
Sim e não. O IBAMA, órgão do governo federal, percebeu a ameaça que o porco feral representa para nosso ecossistema e economia, e permite que ele seja abatido de forma controlada e mediante autorização, uma prática conhecida como “manejo". Infelizmente São Paulo ignorou a lei federal e proibiu qualquer tipo de abate do javaporco . Quero enfatizar que a reinvidicação dos produtores rurais não é de obtenção de licença para caça esportiva indiscriminada. O problema que envolve este animal é de natureza economica e sanitária. São Paulo deveria ter entendido isso e tratado o javaporco de forma diferenciada, como na lei federal. Pessoalmente não tenho nada contra leis que proíbem a caça esportiva.

- O Estado pode fazer o abate do porco feral?
Sim, mas para isso o ruralista deve notificar as autoridades através de documentação incluindo fotos, contagem e identificação individual dos javaporcos e aguardar que o Estado envie uma equipe de abate. São Paulo não possui nenhum órgão especializado na caça de animais. Não há pessoas nem equipamentos. E mesmo que houvesse, quando a burocracia de mexesse e a equipe de caçadores estaduais chegasse ao local, os javaporcos já teriam se multiplicado várias vezes e ido embora há muito tempo. Essa lei foi desenhada para não funcionar, ela permite apenas que o ruralista capture o javaporco.

Situação Kafkiana

- Se um produtor rural capturar 60 javaporcos, o que ele vai fazer com esses animais?
Não sei. Mas a tutela ilógica do Estado não termina aqui. Existe um projeto de lei estadual que proíbe o confinamento de animais. Veja a situação: de um lado o governo estadual impede o abate do animal, permitindo apenas sua captura, mas de outro proíbe o confinamento. É uma situação kafkiana, você captura mas não pode confinar. Volto a dizer, sou contra a caça indiscriminada, não sou a favor que pessoas saiam por aí matando bichos, mas no caso do javaporco, isso é uma questão de saúde e econômica.

O Javaporco se desloca em bandos de até 60 animais. Com três meses de vida, uma fêmea já pode reproduzir, gerando de 14 a 16 filhotes, repetindo este processo até 4 vezes ao ano
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O Javaporco se desloca em bandos de até 60 animais. Com três meses de vida, uma fêmea já pode reproduzir, gerando de 14 a 16 filhotes, repetindo este processo até 4 vezes ao ano
A destruição causada pelo javaporco é completa
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A destruição causada pelo javaporco é completa

- O que é essa lei paulista sobre confinamento de animais?
Existe um projeto de lei na Assembleia Legislativa que visa proibir toda forma confinamento de animais no Estado de São Paulo. Veja bem, não se trata apenas de gado bovino, é para qualquer tipo de animal, como suínos, aves e peixes.

- Peixe também?
Sim, por incrível que pareça, no que depender deste projeto de lei, peixes não poderão mais ser criados em tanques.

- Mas a pessoa que elabora este projeto de lei, quando vai ao mercado comprar frango, carne moída, uma truta, presunto, queijo ou ovos, imagina que esses produtos vêm de onde?
Pois é... Devem pensar que ovos e leite são fabricados numa máquina. Ou então imaginam que ao invés de confinar, o correto seria criar o gado e aves soltos, e diariamente o fazendeiro enviar equipes de caçadores armados com rifles para os pastos e florestas, a procura de bois, porcos e frangos. Curiosamente, estes grupos que são contra o confinamento, são os mesmos que desejam proibir a caça! Como eles imagnam que o gado sai do pasto e chega nas prateleiras do mercado para alimentar a população? É uma situação estapafúrdia, que não faz nenhum sentido. Esse projeto do confinamento não atinge apenas os alimentos. A indústria farmacêutica usa ovos para fazer vacinas, o setor de vestuário usa couro para fazer roupas e sapatos, e até produtos de higiene usam subprodutos de animais, como shampoos. Sem o confinamento, toda essa cadeia econômica é diretamente atingida com redução de oferta e aumento de custos.

- O que está por trás disso?
A única coisa que posso responder é que sem o sistema de confinamento não há como produzir alimentos, carnes, e ovos para 210 milhões de brasileiros, e também manter nossa vigorosa indústria de exportação que traz divisas para o país. Se projetos como esses são aprovados, quebramos nosso agronegócio e passaremos de país exportador para importador. Curiosamente, iremos importar carne de países que confinam seu gado...

Cesta básica x Free range

- O que é “free range”
É um sistema de criação de animais de forma livre, eles ficam soltos no campo ao invés de confinados. Isso pode funcionar em pequena escala, para situações muito pontuais, mas não para a enorme demanda de comida que temos no Brasil. Como os animais ficam soltos, é muito difícil e custoso controlar o tipo de alimentação que eles ingerem, e sua exposição a doenças e predadores é muito maior. A logística também é complexa, imagine centenas de galinhas colocando ovos num campo aberto, em qualquer lugar. Ou ter que agrupar centenas de vacas no campo para tirar seu leite. É possível? Sim, mas a produtividade vai despencar, os custos vão subir e como disse antes, passaremos de país exportador de alimentos para importador.

- Como é essa questão do confinamento e do free range em outros países?
Existem os dois métodos, mas não há uma lei que obrigue um ou outro. Em países com inverno rigoroso, como Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Russia e na Europa, se não houver o confinamento esses animais morrem, não só pela temperatura baixa, mas também pela falta de alimento no pasto aberto. Em países com população grande e com alta demanda de alimentação, o confinamento é uma prática normal. Cabe ao consumidor decidir se prefere pagar “X” por uma dúzia de ovos ou “10X” pela mesma dúzia de ovos produzidos em sistema free range. Mesmo em países ricos, onde a população não passa fome, poucos consumidores estão dispostos a pagar mais caro pelos alimentos free range, imagine no Brasil. Como ficaria o preço da nossa cesta básica que possui macarrão, leite e manteiga? O povo brasileiro consegue pagar essa conta? Esse tipo de lei destrói nosso agronegócio, empobrece o país, prejudica o povo e não oferece nenhuma alternativa viável.

Faixa de plantação destruida pela passagem de um bando de javaporcos
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Faixa de plantação destruida pela passagem de um bando de javaporcos

- Alguns dizem que essas leis protegem os animais do maltrato
Nenhum produtor é a favor do maltrato aos animais. O que acontece é que esse assunto muitas vezes é colocado de forma simplista e binária: se você não concorda com os grupos que querem proibir a caça e o confinamento, você é automaticamente a favor de maltratar os animais. Não se trata disso, o entendimento dessa situação não deve ser conduzido de forma tão elementar. O resultado dessa visão primária estimula o surgimento de aberrações como outra lei que impede a exportação de animais vivos, e também do projeto de lei que extingue a pulverização agrícola aérea.

- Novamente em São Paulo?
Sim. A lei da exportação de animais vivos é absurda. Países de crença muçulmana e judaica importam apenas animais abatidos de acordo com suas normas religiosas, o Halal e o Kosher. Como no Brasil não existe uma quantidade suficiente de abatedouros certificados por essas duas religiões, pois isso aumenta muito o custo, os animais são exportados vivos para serem abatidos no destino. Em janeiro, um grande carregamento de animais para a Turquia foi bloqueado no porto de Santos, e só saiu com uma liminar emitida pela justiça. Novamente, não sou a favor de que se trate esses animais de forma desumana, mas esse assunto precisa ser tratado de forma responsável. No caso do projeto de proibição da pulverização aérea e extinção da aviação agrícola, se essa lei passar, a bananicultura do Vale do Ribeira está liquidada.

- Por que?
Tratores não conseguem pulverizar um bananal por causa da altura das árvores e também pela irregularidade do solo onde estão plantadas, como barrancos e encostas de morros. Não tem jeito de se pulverizar bananais, em escala industrial, sem ser por avião. Se essa lei entra em vigor, você condena uma cultura inteira de imediato. Para pulverizar 200 hectares de cana de açúcar, um trator demora dois dias, um avião faz isso em uma manhã, e com pessoas isso é impossível. A cultura de mamão é outro exemplo, não há outra opção de pulverização que não seja por avião. Veja bem, não estou falando de pequenos produtores, me refiro a plantações em grande escala que abastecem os mercados de todo Brasil.

- Qual o impacto que essas leis e projetos de lei podem causar?
São Paulo é responsável pela maior fatia do PIB do agronegócio brasileiro, são 14 bilhões de reais por ano. Escolha qualquer número: 20% de queda? 35%? 60%? Qualquer opção será um tremendo choque. Estamos falando de um impacto direto na produção, abastecimento interno e exportação de alimentos. Quem propõe esse tipo de lei não vive e não conhece o problema. O respeito ao meio ambiente e aos animais são parte integral do agronegócio, sempre podem e devem ser aperfeiçoados com legislação, mas isso que estamos vendo em São Paulo são ações irresponsáveis que trazem muito mais danos do que soluções para a sociedade, diz  Frederico d'Avila

Frederico d'Avila, diretor da Sociedade Rural Brasileira
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Frederico d'Avila, diretor da Sociedade Rural Brasileira



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