Uma curadora do Museu Nacional do Rio de Janeiro informou que os itens que compunham a exposição Kumbukumbu sobre arte africana foram destruídos com o incêndio de domingo (2). Mariza Soares, responsável pela coleção cujo nome significa “a dimensão do passado que abre caminha para o futuro” na língua africana swahili, disse que 185 peças foram atingidas pelas chamas, entre elas, o Trono de Daomé, reino africano que traficou pessoas escravizadas.
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A sandália e a toca real também faziam parte da exposição, sendo consideradas registros importantes do reino, que se tornou inexistente após ser dominado pelos franceses em 1904. As peças foram um presente do Rei Adandozan a D. João VI, em 1811, e estava no acervo do Museu Nacional desde sua fundação, há 200 anos.
A coleção faz parte de um acervo com 700 peças, incluindo tecidos alaka, feitos na costa ocidental da África na primeira metade do século 20, e uma presa de marfim esculpida na Bacia do Rio Congo no século 19, taxada como uma das maiores já expostas em um museu.
Resistência das religiões e reflexão proposta pelo Museu Nacional
A curadora relatou que praticamente todas as peças foram consumidas pelo fogo, mas que o catálogo da Kumbukumbu permanece disponível online . Ela afirmou que um dos destaques da coleção era o que discorria sobre a resistência das religiões de matriz africana no Brasil, com objetos usados para rituais de candomblé, confiscados pela polícia do Rio de Janeiro desde o império, período em que a prática da religião era proibida por lei.
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Os itens foram recuperados por Ladislau Netto, diretor do museu no século 19, que entrou em contato com a polícia e pediu os objetos para estudo. Depois do pedido de Netto, o museu passou a abrigar muitos itens de valor histórico, que culminaram na formação de uma coleção que manteve preservada as técnicas de metalurgia e arte em madeira, elaboradas pelos africanos traficados para o Brasil.
O acervo contava ainda com importantes estatuetas de orixás esculpidos em madeira pelo artista Afonso de Santa Isabel, adicionadas ao acervo entre 1940 e 1950. Os objetos faziam parte da coleção de Heloisa Alberto Torres, ex-diretora do museu que viajou à Bahia no século 20, a fim de compilar itens de casas de candomblé do recôncavo baiano.
Segundo Mariza, o trabalho realizado na criação da exposição foi eficaz para revalorizar a cultura africana e levantar discussões acerca das relações raciais no Brasil.
"Foi uma oportunidade incrível justamente recuperar toda uma discussão a respeito das relações raciais no Brasil, e da importância do estudo da história da África para se entender o Brasil, de se discutir a questão da escravidão e como ela impacta de forma negativa a sociedade brasileira", enumera.
"Buscamos trazer também uma reflexão sobre a pobreza no Brasil, onde a população negra é um percentual imenso da população pobre, da carcerária e da assassinada", lembrou a pesquisadora, que acompanhou as buscas feitas pelos bombeiros nos escombros do museu.
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Antônio Carlos de Souza Lima, professor da etnologia do departamento que abrigava a exposição no Museu Nacional , alegou que peças indígenas de tribos que não existem mais, artefatos maoris, jades indianas e uma armadura samurai foram outros itens perdidos no incêndio. "A perda da etnologia é irreparável. Isso é resultado de décadas de descaso das elites políticas. É um retrato do que a elite financeira e política pensa do que é o Brasil", concluiu.
*Com informações da Agência Brasil