Operação da Polícia Federal culminou na suspensão de contratos de 29 empresas e seus sócios com o poder público
Priscilla Borges, iG Brasília
Operação da Polícia Federal culminou na suspensão de contratos de 29 empresas e seus sócios com o poder público

A Prefeitura de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, dispensou a realização de nova licitação e renovou contrato de R$ 2,9 milhões com uma das empresas responsáveis pelo fornecimento de itens para a merenda escolar da rede municipal de ensino. O novo acordo foi firmado com a empresa Belamesa a despeito da existência de contestações na Justiça sobre o vínculo inicial e beneficia a Belamesa.

O primeiro contrato entre a Prefeitura de São Bernardo do Campo e essa empresa foi assinado em fevereiro do ano passado, também com valor de R$ 2,9 milhões, e teve duração de um ano. O processo de contratação teve curso no segundo semestre de 2016 – sob a gestão do então prefeito e  atual pré-candidato a governador, Luiz Marinho (PT) – e foi contestado ainda em 2017 pelo Ministério Público de Contas (MPC-SP), que sinalizou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) a ocorrência de "possível restritividade à concorrência".

Apesar da abertura de um processo naquele tribunal e da consequente notificação da prefeitura sobre os questionamentos do MPC, a atual gestão do prefeito Orlando Morando (PSDB) decidiu prorrogar o contrato por mais um ano – possibilidade que estava prevista no primeiro acordo – sem convocar um novo processo licitatório. Esse processo no TCE só veio a ser julgado no fim de abril, já após a assinatura do novo vínculo com a Belamesa.

Questionamentos

undefined
Reprodução
Molho de tomate fornecido pela empresa Bela Mesa à rede municipal de ensino de São Bernardo

O contrato prevê a entrega de 23 alimentos que compõem a merenda escolar servida aos alunos da rede pública de ensino.  O MPC narrou à Justiça que a prefeitura convidou 108 empresas a participarem do pregão, mas apenas seis delas disputaram o contrato. A promotoria sustentou no processo que a aglutinação dos 23 alimentos num lote único é um dos fatores que indicam restritividade à concorrência.

“A obrigação de fornecer os 23 itens pode inibir a participação de um maior número de interessados e, em princípio, contraria a possibilidade de maior economia”, analisaram os agentes de fiscalização do TCE em documento enviado à prefeitura.

A administração municipal justificou que o baixo número de empresas participantes na concorrência se deu “por tratar-se de um contrato de fornecimento de 23 itens e com entrega ponto-a-ponto”.

O processo, que se restringiu às questões de competitividade, foi julgado no último dia 24 de abril, já após a renovação do contrato. Apesar dos argumentos do MPC, os conselheiros do TCE classificaram a licitação e o contrato como regulares.

Leia também: Câmara analisa cortes propostos por Temer para baixar preço do diesel

O enriquecimento do extrato

Um dos 23 alimentos que a Belamesa fornece para as escolas de São Bernardo do Campo é o extrato de tomate concentrado de sua própria marca. Em valores totais, seu preço é o terceiro mais caro da lista, atrás apenas do arroz branco e do feijão carioca. Por ano, a administração gasta R$ 501 mil com a compra de 39 mil pacotes do produto.

A licitação inicial chegou a ser cancelada após a empresa Agro Comercial da Vargem alegar ao TCE que houve “excesso de especificação” devido ao fato de a prefeitura ter exigido que o extrato de tomate fosse "enriquecido com vitaminas e ferro". No edital da licitação, a administração chegou também a sugerir a Belamesa como marca referência em extrato de tomate enriquecido.

De acordo com o professor de direito administrativo Antônio Cecílio Moreira Pires, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a exigência do enriquecimento pode ser encarada como um elemento restritivo à competição, podendo até mesmo representar um "critério de direcionamento”.

A prefeitura lançou um novo edital após a reclamação da Agro Comercial, desta vez com alterações no item referente ao molho de tomate, que passou a ser aceito sem a necessidade do enriquecimento. Mesmo com a mudança, a Belamesa manteve-se como marca referência no produto.

Segundo o professor Moreira Pires, não há razões para uma empresa que viria a participar do pregão ter sido apontada como marca referência em um dos itens.

No novo edital, a prefeitura também alterou a quantidade de extrato de tomate exigida por pacote, passando de 1,6kg para “1,6kg a 2,1kg”, sem especificar a quantidade total a ser adquirida. Segundo Pires, a taxa de admissibilidade pode ser admitida pela prefeitura, desde que a quantia total em quilos estivesse prevista no edital.

A reportagem do iG entrou em contato com a Prefeitura de São Bernardo e com a Belamesa, mas, ambas não quiseram se pronunciar sobre a quantidade em quilos do molho que é fornecida anualmente. Também não foram respondidos os questionamentos sobre o fato de a empresa ter sido indicada no edital da licitação como marca referência.

Os relatórios produzidos por fiscais do TCE apontam que os pacotes de extrato de tomate entregues pela Belamesa à rede municipal de ensino têm 1,6kg – a quantia mínima prevista no contrato com a prefeitura.

O procurador responsável pelo caso, João Paulo Giordano Fontes, disse que não foram incluídos no autos do MPC fatos relativos ao extrato de tomate ou relativos ao fato de a Belamesa ter sido referenciada pela prefeitura em documento anterior ao pregão. Giordano Fontes explicou que essas informações não eram de seu conhecimento até o julgamento do processo.

Segunda colocada

A Belamesa não ficou em primeiro lugar no pregão realizado no segundo semestre de 2016, que foi vencido pela empresa Hosana Comércio e Representação de Produtos Alimentícios em Geral por oferta 0,01% inferior.

A Hosana, no entanto, deixou de cumprir com uma das exigências, que era enviar à prefeitura as amostras dos 23 itens. Por isso, ela foi  eliminada da licitação, fazendo com que a Belamesa, segunda colocada, conseguisse o contrato por valor 0,00047% inferior ao estipulado pela administração.

Leia também: Ministro nega articulação para nova greve dos caminhoneiros na semana que vem

A Belamesa

Apesar de a Belamesa ter sido apontada como "referência" em extrato de tomate, a ficha cadastral da empresa aponta objetivos sociais estritamente ligados ao comércio de varejo e atacado. Questionada sobre as origens do produto e desde quando possui uma marca de extrato de tomate, a Belamesa não quis se pronunciar.

Criada em outubro de 2013 pelo empresário Paulo Pereira de Jesus, a empresa tem capital social de R$ 100 mil, o que, segundo o professor Antônio Pires, é baixo para um contrato de R$ 2,9 milhões. “No edital, a administração pode pedir capital social mínimo de 10% do valor do contrato. É bom que se exija isso para ter mais garantias sobre a saúde financeira da empresa”, afirmou.

Apesar do capital social relativamente baixo, desde sua criação a empresa conseguiu contratos que somam R$ 14,6 milhões com 27 prefeituras de cidades do estado de São Paulo, entre elas as de Assis, Atibaia, Caraguatatuba, Guarulhos, Embu das Artes, Mauá, Pindamonhangaba, Praia Grande, Santos e Itapecerica da Serra. Assim como em São Bernardo do Campo , quase todos os contratos da empresa com administrações públicas são relativos à fornecimento de merenda escolar.

Posicionamento da Prefeitura:

Confira abaixo íntegra de nota enviada pela Prefeitura de São Bernardo do Campo após a publicação da reportagem:

A Prefeitura de São Bernardo esclarece que a reportagem publicada pelo portal Último Segundo possui equívocos em relação a abordagem do processo de licitação.
Inicialmente, destaca-se que a Belamesa não é uma das 29 empresas investigadas pela Polícia Federal na Operação Prato Feito, deflagrada no dia 9 de maio de 2018, em 30 cidades pelo Estado. Adicionando que empresa não consta do rol de empresas impedidas pela ordem judicial emanada pela Justiça Federal.

Sobre os contratos firmados pela atual gestão de São Bernardo com a empresa citada, tanto em 2017, quanto em 2018, sob os números TC-004206/989/17, 67 TC-005713/989/18, respectivamente, foram julgados regulares pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Não houve nenhuma espécie de apontamento de irregularidade pelos órgãos de fiscalização do TCE (Diretoria de Fiscalização e Ministério Público de Contas).

Assim, aponta-se que a reportagem não seguiu as conclusões estabelecidas pelo TCE-SP sobre os vínculos firmados entre a Prefeitura e a empresa Belamesa.

O município ressalta que, em alinhamento à Justiça, publicou decreto no dia 10 de maio para que fossem suspensos os contratos com as empresas investigadas na Operação Prato Feito.

*Colaboração da Redação Multimídia da Universidade Metodista do Estado de São Paulo

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!