Um homem que foi preso em flagrante por ter ejaculado no pescoço de uma mulher, dentro de um ônibus em São Paulo, foi solto um dia depois, nesta quarta-feira (30). Segundo a Justiça paulistana, Diego Ferreira de Novais, 27 anos, denunciado por estupro, não cometeu o crime, mas sim uma contravenção penal, que será resolvida com o pagamento de uma multa. O caso aconteceu no mesmo dia – e praticamente no mesmo horário – em que o estado lançava uma campanha contra o assédio sexual no transporte público.
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Na última terça-feira (29), por volta das 13h20, enquanto o Tribunal de Justiça de São Paulo se unia com 15 instituições públicas e privadas para lançar a campanha "Juntos Podemos Parar o Abuso Sexual nos Transportes" – em um evento que aconteceu às 14h, na Praça da Sé, no centro da capital paulista – o crime de estupro , que viria indignar toda a população da cidade, ocorria dentro de um ônibus, na Avenida Paulista.
No coletivo, Diego estava de pé, ao lado de duas mulheres sentadas. Ele se masturbou ali mesmo e ejaculou no pescoço de uma delas. Quando a vítima denunciou o ato, o homem tentou fugir, mas foi impedido pelo cobrador do ônibus. Segundo testemunhas, passageiros tentaram agredir Diego, mas foram impedidos, deixando a Justiça resolver o caso.
"Não houve constrangimento tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus, quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado"
Mas, a solução encontrada para o caso foi liberar o acusado um dia depois dele ser detido no 78º Distrito Policial (Jardins), por considerar que o caso não era de estupro, mas de atentado ao pudor.
"Entendo que não houve constrangimento tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus, quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado", declarou o juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto.
Vítima e agressor cara a cara
Essa não foi a primeira vez que Diego Novais foi denunciado por crimes sexuais – e também não foi a primeira multa que tomou por crimes assim. Hoje, ele já acumula outras 16 acusações de abuso sexual dentro do transporte público de São Paulo.
Letícia, uma estudante universitária que foi vítima do mesmo agressor há seis meses, o reencontrou no início da semana, quando foi chamada para prestar depoimento sobre o seu caso.
Na segunda-feira (28), durante a tarde, a estudante foi surpreendida pela presença do seu agressor sentado a duas cadeiras dela, na mesma sala de espera em que ela aguardava, no Fórum Criminal, para dar seu depoimento sobre o abuso que sofreu. Letícia pediu para esperar em outra sala.
Na época do crime, a universitária também estava sentada em um ônibus na Paulista, quando Diego se masturbou ao seu lado. Ele tentou fugir, mas foi levado para a delegacia, da mesma forma. Além disso, o caso foi considerado, assim como o dessa semana, "importunação ofensiva ao pudor".
"É difícil seguir em frente, quando o estado te incentiva a voltar atrás"
"Sim, o meu agressor está sentado ao meu lado, aguardando para prestar depoimento", escreveu a estudante, em uma publicação no Facebook. "Até mesmo os locais que deveriam teoricamente proteger ou acolher mulheres em situação de violência conseguem ser horrorosos no atendimento", disse Letícia.
"Depois perguntam por que as mulheres não denunciam ou por que o número de denúncia é subnotificado. Ou então, por que poucas seguem em frente no processo. Porque é difícil seguir em frente, quando o Estado te incentiva a voltar atrás", desabafa.
Denunciar ou não
Se o problema fosse do transporte público, não teríamos casos como o de Clara Averbuck. A escritora gaúcha não pegou um ônibus, nem mesmo um trem para ir até o seu destino: ela optou pelo Uber, um carro particular. Mesmo assim, Clara narrou – em uma publicação em suas redes sociais – um abuso sexual que sofreu dentro do carro.
A publicação de Clara também foi feita na última segunda. Segundo ela, após o estupro sofrido, ficou machucada, porém foi medicada, em casa, e pensava se iria recorrer a uma delegacia de mulheres.
“Bom, virei estatística de novo. queria chamar de 'tentativa de estupro' mas foi estupro mesmo. Tava bêbada? Tava. Não vou incorrer no mesmo erro de quando eu era adolescente e me culpar. Fui violada de novo, violada porque sou mulher, violada porque estava vulnerável e mesmo que não estivesse poderia ter acontecido também”, escreve.
Não quero impunidade de criminoso sexual mas também não quero me submeter à violência de estado
“Estou decidindo se quero me submeter à violência que é ir numa delegacia da mulher ser questionada, já que a violência sexual é o único crime que a vítima é que tem que provar. Não quero impunidade de criminoso sexual mas também não quero me submeter à violência de estado. Justamente por ter levado tantas mulheres na delegacia é que eu sei o que me espera”.
O posicionamento de Clara foi criticado por parte dos internautas, que acharam primordial a denúncia do caso à polícia . Embora a denúncia à polícia seja extremamente necessária, inclusive para cessar casos como esses, o despreparo dos oficiais e da Justiça em lidar com essas denúncias impede que muitos casos venham à tona.
Ao iG , Letícia, a vítima que foi submetida a ficar na mesma sala que seu abusador, disse que entende o posicionamento de Clara.
"Compreendo mais do que nunca porque muitas vítimas não denunciam, pois são silenciadas ou desestimuladas. Outro exemplo claro disso foi o que ocorreu com a Clara Averbuck. Que disse que não denunciou porque não confia no sistema. As vezes, se transforma só em mais um processo doloroso pra reviver o trauma", afirma. "A gente tem que escolher por qual violência vai passar. Cessa uma, começam as outras", disse Letícia.
Campanha contra assédio
A campanha do Tribunal de Justiça de São Paulo – que foi lançada nesta semana, no evento de terça-feira – busca justamente estimular denúncias de vítimas de abuso sexual nos transportes, com o intuito de inibir futuros crimes ou "contravenções penais".
Configura abuso qualquer ato físico, de cunho sexual, que não tem a concordância da pessoa
"Serão veiculados cartazes em todos os meios de transporte público, vídeos, além de postagens nas redes sociais de todas as instituições participantes", diz o Tribunal.
“Configura abuso qualquer ato físico, de cunho sexual, que não tem a concordância da pessoa”, explica a juíza Tatiane Moreira Lima, da Vara de Violência Doméstica e Familiar do Butantã, e uma das idealizadoras da campanha. A questão é como que tais denúncias serão trabalhadas pela Justiça e como que a vítima terá sua dor amenizada a partir da exposição do crime de estupro.
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