Decisão da Turma Recursal, que será analisada pelo STF, responsabilizou os três entes federativos a custear uma cirurgia
Nelson Jr./SCO/STF - 31.5.17
Decisão da Turma Recursal, que será analisada pelo STF, responsabilizou os três entes federativos a custear uma cirurgia

Liberdade religiosa e os deveres do Estado. O tema complexo está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve decidir se questões ligadas às crenças religiosas justificam que o Estado se responsabilize pelo custeio de tratamentos de saúde fora do SUS.

A questão surgiu de um recurso feito pela União que questiona uma decisão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Amazonas e Roraima, que a condenou, juntamente ao Estado do Amazonas e o município de Manaus, a custear um procedimento cirúrgico indisponível na rede pública, pois a religião do paciente (Testemunha de Jeová) proíbe transfusão de sangue. A decisão da Turma Recursal, que será analisada pelo STF.

Por enquanto, neste caso analisado, os três entes federativos foram responsabilizados a pagar pela cirurgia de artroplastia total primária cerâmica sem transfusão, em hospital público ou particular, na modalidade Tratamento Fora do Domicílio, pois o procedimento não está disponível na rede do estado da paciente.

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Ainda segundo a decisão, a administração pública deve disponibilizar cobertura assistencial integral (inclusive consultas, rotinas médicas e medicamentos) para a completa recuperação de sua saúde; além de custear, ao paciente e a um acompanhante, passagens aéreas, traslados, hospedagem, alimentação e ajuda de custo até a completa realização do seu tratamento.

Com fundamento na Constituição Federal , o acórdão recorrido estabelece que o poder público deve garantir o direito à saúde de maneira compatível com as convicções religiosas do cidadão, “uma vez que não basta garantir a sua sobrevivência, mas uma existência digna, com respeito às crenças de cada um”.

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No recurso apresentado ao Supremo, a União afirma que o acolhimento do pedido de custeio de tratamento médico criará uma preferência em relação aos demais pacientes, afrontando o princípio da isonomia. Aponta, ainda, violação ao princípio da razoabilidade, já que qualquer procedimento cirúrgico pode ter complicações e, eventualmente, exigir a transfusão de sangue.

A Procuradoria Geral da União opinou pelo desprovimento do recurso, pois entende que não foi demonstrada a impossibilidade da realização da cirurgia sem transfusão de sangue.

Liberdade religiosa x dever do Estado

O relator do processo, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que a questão constitucional reside na identificação de solução para o conflito potencial entre a liberdade religiosa e o dever do Estado de assegurar prestações de saúde universais e igualitárias. Em seu entendimento, é necessário determinar se a extensão das liberdades individuais, prevista na Constituição, pode justificar o custeio de tratamento médico indisponível na rede pública.

Para o ministro, a matéria "é de evidente repercussão geral, sob todos os pontos de vista (econômico, político, social e jurídico), em razão da relevância e transcendência dos direitos envolvidos”.

O relator observa que as liberdades individuais, entre elas a religiosa, pode ser restringida caso a conformação das políticas públicas de saúde desconsidere concepções religiosas e filosóficas compartilhadas por comunidades minoritárias. Também ressalta que admitir que o exercício de convicção autorize a alocação de recursos públicos escassos coloca em tensão a realização de outros princípios constitucionais.

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Segundo ele, a demanda judicial por prestação de saúde não incorporada ao sistema público exige a ponderação do direito à vida e à saúde de uns contra o direito à vida e à saúde de outros.

“Nessa linha, exigir que o sistema de saúde absorva toda e qualquer pretensão individual, como se houvesse na Constituição o direito a um trunfo ilimitado, leva à ruína qualquer tentativa de estruturação de serviços públicos universais e igualitários. Dessa forma, deve-se ponderar não apenas qual bem constitucional deve preponderar no caso concreto, mas também em que medida ou intensidade ele deve preponderar”, apontou o ministro do STF.

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