A Espanha se tornou um caso a parte em relação à política migratória em uma União Europeia que se inclina para a direita com medidas mais duras contra as chegadas irregulares.
O plano da primeira-ministra italiana, a ultradireitista Giorgia Meloni, de enviar solicitantes de asilo a campos na Albânia enquanto suas solicitações são processadas, foi manchete durante a cúpula do bloco da semana passada.
A reunião foi encerrada com um texto que pede a aceleração da expulsão de imigrantes não aceitos e a exploração de novas formas de mitigar a imigração irregular, em uma possível alusão ao plano italiano.
A Polônia propôs suspender parcialmente o direito de asilo para os imigrantes irregulares, enquanto partidos de extrema direita com plataformas contra a migração ganham peso na França, Hungria e Países Baixos.
Nadando contra a corrente, o presidente de Governo espanhol, o socialista Pedro Sánchez, afirmou em Bruxelas que projetos como o italiano criam mais problemas do que os resolvem.
Uma migração "regular", "segura" e "ordenada" é parte da resposta a desafios como o envelhecimento da população europeia, a escassez de mão de obra e a crescente pressão sobre os estados de bem estar, argumentou Sánchez.
"Está em jogo que Europa queremos ser (...) Precisamos enfrentar o fenômeno migratório pensando nas futuras gerações e não nas próximas eleições", acrescentou.
- "Caso único" -
Para Blanca Garcés, pesquisadora do centro de pesquisa CIDOB em Barcelona, a Espanha é "um caso único dentro do contexto europeu".
Ela se distingue por seu caminho para legalizar os migrantes depois de três anos de residência, um procedimento simplificado desde 2018 pelo governo de esquerda.
Diferentemente de muitos países da Europa, a migração não foi um tema de polarização política na Espanha, cujo partido de extrema direita Vox inicialmente ganhou popularidade por outras razões, em particular a crise independentista da Catalunha, explicou Garcés.
Também contribuíram uma democracia com ênfase em ampliar direitos, uma longa história de emigração dos espanhóis e a importância da economia informal, onde os imigrantes exercem um papel essencial, acrescentou.
E tudo isso apesar do fato de a Espanha estar na primeira linha migratória, com um aumento das chegadas às Ilhas Canárias, principalmente da África.
Durante uma visita em agosto à Mauritânia, Gâmbia e Senegal, de onde sai grande parte dos migrantes ilegais, Sánchez defendeu a "migração circular": a possibilidade de que as pessoas trabalhem na Espanha legalmente por tempo limitado e depois retornem ao seu país, reduzindo a tentação de recorrer a rotas perigosas.
Sánchez tem "uma visão pragmática", tanto política como economicamente, avalia Gemma Pinyol-Jiménez, especialista em migração do laboratório de ideias Instrategies.
"São bom sinais, mas não são suficientes. Precisaríamos que não fosse somente um país (...) necessitaríamos de uma narrativa mais propositiva por parte de muitos mais países", disse.
- Política "ambígua" -
Para Lorenzo Gabrielli, do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar sobre Imigração da Universidade Pompeu Fabra, a posição da Espanha é realmente mais "ambígua'.
Sánchez rechaça os centros de imigrantes em países não pertencentes à UE, mas a Espanha coopera com Marrocos e se apoia nesse país para frear a chegada de migrantes ao seu litoral.
A política migratória da Espanha "não é necessariamente muito inovadora nem aberta", mas aparece como uma alternativa em um momento em que os vizinhos europeus se inclinam cada vez mais para a direita, considera Gabrielli.
O jornal El País adiantou nesta semana um projeto de reforma migratória que será apresentado no próximo mês para regularizar dezenas de milhares de migrantes e reduzir os tempos de espera para obter vistos de residência e trabalho.
Embora a migração siga sendo um tema "bastante despolitizado" na Espanha em comparação com outros países europeus, a situação está mudando, com partidos como Vox repetindo mensagens antimigratórias, alertou Garcés.
O conservador Partido Popular, principal formação de oposição, também endureceu seu discurso ante a concorrência do Vox, e a migração, segundo uma pesquisa recente, começa a ser o principal tema de preocupação dos espanhóis.
Se a tendência continuar, Sánchez pode correr o risco de colidir contra a opinião pública.