Em uma simples busca na internet pelo termo “estelionato”, é possível constatar inúmeras notícias sobre o aumento de casos.
Segundo a última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que contempla os anos de 2018 e 2021, o país teve um aumento de 180% nesse tipo de crime. Passou de 426.799 para 1.265.073 incidências, sendo que um dos fatores que colaboraram para esse aumento do número de fraudes foi o início da pandemia de Covid-19.
Com o isolamento social e a maior utilização de meios eletrônicos aliados ao novo sistema de pagamento Pix, o Brasil registrou uma escalada desses tipos de golpes em suas mais variadas frentes nos dois últimos anos do levantamento.
Quem nunca teve seu WhatsApp clonado ou recebeu um pedido de depósito?
O Art. 171 do Código Penal tipifica o crime de estelionato que é “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
Pasmem: a pena é de reclusão, de um a cinco anos, e multa. Exato, uma pena mínima de apenas 1 ano.
O crime compensa e não é à toa que o número de casos explodiu nos últimos cinco anos. A matemática é muito simples: o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto. É um nada jurídico-processual-penal. Qual é a mensagem? Cometa o crime que mesmo que o criminoso seja pego, nada acontecerá.
Aliás, se a fraude for proveitosa, não há motivos lógicos para reparar o dano. A encruzilhada legal é muito branda: ou repara-se o dano em um acordo com o Ministério Público (Acordo de Não Persecução Penal ou Suspensão Condicional do Processo) ou o criminoso fica sujeito a uma condenação de um crime com pena mínima de 1 ano. Não é preciso grandes raciocínios. A matemática é do ensino primário.
Além disso, o fraudador conhece a dificuldade no bloqueio dos valores desviados, do produto do crime. Dá tempo de sobra de sumir com o dinheiro mesmo que a vítima seja ágil. Há todo um processo burocrático e lento de um sistema penal que confirma que o crime vale, literalmente, a pena.
Explica-se: até (i) a investigação ser instaurada, (ii) a autoridade policial representar pelas cautelares patrimoniais (arresto, sequestro e bloqueio de bens, p.e.), (iii) o Ministério Público se manifestar pelo provimento das cautelares e (iv) o Juiz decidir e tomar as providências para o cumprimento de sua decisão, inevitavelmente, o produto do crime evaporou!
O sistema é lento e excessivamente burocrático, ao passo que o fraudador é ágil e tem a plena consciência de que esse tipo de crime vale o risco.
No Brasil a taxa de resolução de crimes é baixa. Não é a maioria das investigações que chegam ao(s) autor(es) do fato criminoso. Tanto é verdade que o Fórum criminal é basicamente abastecido por flagrantes.
Portanto, no pior cenário, se o fraudador for descoberto, a punição será branda, porque a lei é frouxa e o crime compensa financeiramente.
Outra, decretar uma prisão preventiva ou converter uma prisão em flagrante de um crime de estelionato em preventiva é tarefa hercúlea e requer uma ginástica argumentativa enorme. A razão é simples e reside mais uma vez em sua pena mínima, pois o efeito prático do fim processo penal é um regime aberto. Sendo assim, como sustentar uma prisão preventiva sendo que ao final o criminoso estará na rua?
Um ponto que merece especial destaque é a importância do incremento e rigor no controle financeiro dos Bancos na movimentação de contas em nome de laranjas e/ou empresas fantasmas. Isso pode ajudar e muito no gargalo das fraudes, em seu ponto nevrálgico que é o produto do crime.
A conclusão inevitável é de que a pena do crime de estelionato precisa ser revista urgentemente. Não só, há que se ter também um maior controle na abertura de contas correntes em nome de laranjas e empresas fantasmas, para se identificar, de plano, movimentações suspeitas de produtos de fraudes.
Enfim, a constatação é triste. O sistema legal atual é frouxo e privilegia o criminoso ao cidadão, vítima de fraude.
Atualmente, aquele que pratica o crime tem certeza da impunidade. O fraudador não tem receio algum em movimentar valores no sistema financeiro. E mesmo que dê tudo errado, se pego for, pelo sistema atual, não vale a pena restituir a vítima.
Este cenário precisa mudar urgentemente. O crime não pode compensar.
* Leandro Falavigna é advogado criminalista, formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 2003; especialista em Direito das Relações de Consumo pelo Curso de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão – COGEAE (PUC-SP); pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pelo Curso de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão – COGEAE (PUC-SP), em 2003; e Mestre em Direito (LL.M in US Law – Master of Laws) pela Washington University School of Law in St. Louis. Apontado pela Revista Análise Editorial como um dos advogados mais admirados na área penal nos anos de 2015 a 2021. É sócio do Torres, Falavigna e Vainer Advogados.