Por mais previsível que fosse, o número foi alcançado, trouxe tristeza e nos obriga a refletir sobre a extensão dessa doença terrível. Os 300 mil brasileiros mortos pela Covid-19 , mencionados por nós no domingo passado como uma marca que se aproximava, foram registrados ontem. Mais de um ano depois de seu início, ainda não há sinais de que a pandemia perderá seu fôlego.
A quantidade de mortes, que já é espantosa, deve crescer ainda mais nos próximos meses... Este é, sem dúvida, o momento mais dramático da história do Brasil! Para se ter uma ideia do que essas 300 mil mortes representam, basta lembrar que a Guerra do Paraguai, maior conflito armado da nossa história, fez 50 mil vítimas do lado brasileiro. Encerrada em 1870, a guerra durou quase sete anos. Quem preferir estatísticas mais recentes pode se lembrar de que as 300 mil pessoas que tombaram diante da Covid-19 somam uma quantidade cerca de dez vezes maior do que a das 33 mil vítimas fatais do trânsito em todo o país no ano passado.
Esses números são mencionados aqui apenas para ilustrar a dimensão da tragédia. É triste citar estatísticas quando se sabe que cada unidade dessa conta se refere a um pai, uma mãe, um filho, uma filha, um parente ou um amigo que teve a vida interrompida de forma dolorosa. E que, ao morrer, deixou pessoas queridas que, muitas vezes, nem tiveram a oportunidade de expressar sua dor em um velório.
É desnecessário dizer que O Dia, em seus quase 70 anos de história, jamais presenciou uma tragédia próxima a esta. Em sinal de luto pelas vidas levadas pela Covid-19, esta edição não traz outra cor além do preto. É o mínimo a ser feito para levar as condolências e a solidariedade de toda nossa equipe a cada fluminense e a cada brasileiro que perdeu alguém querido. Convidado pelo jornal a escrever este editorial no espaço normalmente ocupado pela coluna Informe Do Dia, que assino, expresso minha indignação diante de tantas mortes evitáveis. E reforço o compromisso, assumido por O Dia ao longo de sua trajetória, de considerar como sua qualquer dor que aflija o povo do Brasil e, em especial, do Rio de Janeiro.
SOLUÇÃO DEFINITIVA — Mais do que pensar no que é bom para o Brasil, o que interessa de verdade é o que conta para a população brasileira. A pandemia atingiu o país em meio à maior crise econômica da história e isso contribuiu para tornar seus efeitos ainda mais devastadores. Ao lado da aflição dos que hoje imploram por uma vaga numa UTI e dos que choram a morte de pessoas queridas, há os que sofrem com a fome causada pela perda do emprego ou pela falência dos negócios de onde tiravam o sustento da família.
Não é e jamais foi o caso de separar um problema do outro. Os mortos pela pandemia e os afetados pela crise econômica são partes de uma mesma tragédia. Do ponto de vista da economia ou do equilíbrio fiscal, o estrago que vier a ser causado por qualquer auxílio emergencial que venha a ser dado agora não aumentará tanto assim os danos que as medidas tomadas no ano passado já causaram às contas públicas. O dinheiro será uma ajuda importante para a população mais vulnerável e evitará que o drama social de agora se agrave ainda mais até a chegada da solução.
E a solução, como neste momento está claro até para o mais negacionista dos negacionistas, só virá com a vacinação em massa num ritmo muito mais acelerado do que o atual. Tanto a Fiocruz, do Rio, quanto o Butantan, de São Paulo, têm assumido providências para aumentar a disponibilidade da vacina. Se tudo sair conforme planejado, é provável que em meados de maio já não haja carência de imunizantes e o ritmo da vacinação seja acelerado. Só depois disso é que se poderá começar a sonhar com a volta à normalidade.
PRESENTE E FUTURO — No que diz respeito à economia, a preocupação maior não deve ser com o presente, mas com o que deverá ser feito no futuro para corrigir as distorções verificadas agora. No que diz respeito à saúde da população, ao contrário, o problema não é o futuro, mas o presente.
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Ninguém deve fechar os olhos para os erros que se acumularam na condução da crise nem ignorar a culpa das autoridades que falharam em seu dever de proteger a população. Se todos tivessem dado o exemplo e defendido o uso de máscaras desde o início; se tivessem proposto e praticado o distanciamento social e adotado as medidas de higiene capazes de dificultar a ação do vírus, talvez o Brasil não estivesse neste momento sendo visto como um pária pelos demais países do mundo.
A negação dessas providências foi um péssimo exemplo e a população acabou enfrentando a pandemia no meio do fogo cruzado em nome de interesses que não eram os seus. Cobrar essa conta é necessário, mas pode ficar para depois. Criticar o presidente Jair Bolsonaro por sua adesão tardia à causa da vacinação em massa é menos importante para o Rio do que aceitar toda ajuda que o governo federal puder oferecer neste momento. O fundamental é que, a partir de agora, ele e todas as autoridades do país façam o que deveriam ter feito desde o início. Que ponham a mão na consciência e passem a colocar os interesses da população acima de suas ambições eleitorais.
LUZ NO FIM DO TÚNEL — As 300 mil vidas que se perderam jamais poderão ser trazidas de volta. Outras 300 mil que seriam certas, porém, podem ser evitadas com essa mudança de postura. O mais importante, neste momento, é deixar claro que, enquanto a luz que a vacina acende no fim do túnel não brilhar com mais intensidade, o melhor a fazer é não se expor a riscos desnecessários.
De nada adianta dizer a quem for contaminado hoje que, se tivesse esperado para contrair o vírus daqui a dois ou três meses, certamente estaria mais protegido contra as formas mais graves da doença. O melhor a ser feito neste momento, portanto, é tomar aqui e agora todas as providências possíveis para se evitar a contaminação. E o caminho que leva a esse resultado é sobejamente conhecido.
É preciso insistir no distanciamento social, aderir de forma radical ao uso de máscaras e adotar os procedimentos de higienização capazes de impedir o contágio pelo vírus. Em Taiwan, que até aqui tem sido considerado um caso de sucesso no combate à pandemia, nunca se falou em lockdown nem em paralização da atividade econômica. Ali, toda a população aderiu sem questionar à obrigação de usar máscaras, ter à mão um tubo de álcool em gel e evitar contatos pessoais desnecessários.
No Brasil não houve sequer uma campanha educativa de massa que esclarecesse à população quanto à importância dessas medidas. Como o brasileiro não tem por hábito aderir de forma espontânea a comportamentos padronizados como esse, é preciso, agora, orientá-lo a seguir à risca as medidas mais rígidas de isolamento propostas por autoridades estaduais e municipais. É essencial que todos se convençam de que, por mais difícil que seja permanecer em casa, as medidas impostas pelo governo estadual e pelas prefeituras de muitas cidades fluminenses são necessárias e devem ser acatadas ao pé da letra.
Mais do que necessárias, elas são a única forma conhecida de conter o ritmo de propagação da pandemia, desafogar o sistema de saúde e evitar que o número de mortes avance ainda mais neste momento. Sim. Sei que é difícil para quem está sem renda respeitar as recomendações e não querer apressar a reabertura do comércio e a reativação da economia. Insisto, porém num ponto que já defendi em outras ocasiões e volto a defender neste momento. O emprego perdido pode ser recuperado daqui a pouco. O negócio falido pode ser recriado mais adiante. Mas, para que isso aconteça, a condição essencial é estar vivo.
Neste momento, o mais importante de tudo é praticar o verdadeiro patriotismo. E isso significa fazer de tudo o que estiver ao alcance das autoridades, das lideranças e dos cidadãos para que as pessoas não morram, mas vivam pelo Brasil.