Além do impacto no número de leitos em hospitais e aumento nas internações, a pandemia do novo coronavírus também afetou a realização de transplantes de órgãos no Brasil em 2020 . Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) , entre janeiro e setembro de 2020, o setor sofreu uma queda de 10% no número de doadores efetivos e nas notificações de potenciais doadores em comparação com o mesmo período do ano passado.
Apesar do número significativo, ao se analisar o terceiro trimestre de 2020 é possível notar uma leve recuperação em relação ao anterior. Os dados levantados pela instituição mostram que a taxa de doadores efetivos, que estava em 18,4 pmp (partes por milhão) no primeiro trimestre – período pré-pandêmico –, caiu para 13,3 pmp no segundo trimestre e, no terceiro, aumentou para 14,6 pmp.
Nessa queda, o transplante de fígado foi o menos afetado entre os demais, tendo diminuído apenas 10,8% nos três trimestres. Já o pulmonar foi o que mais sofreu com os impactos da pandemia - queda de 49% neste ano.
Além da situação ter influenciado diretamente no número de doadores, também fez com que as pessoas que estavam na fila esperando para receber um órgão fossem tomadas pelo medo de se contaminarem durante a cirurgia.
"Na hora eu não pensei em pandemia, não pensei em Covid, não pensei em nada. Eu sabia que estava correndo riscos, mas eu só pensava no transplante e em como ia mudar a minha vida". O relato é de Alvanir dos Reis, 39, que realizou um transplante de fígado no final de março, logo no início da pandemia. Há oito anos, a professora foi diagnosticada com uma doença autoimune chamada colangite biliar primária (CBP), condição crônica destrutiva que afeta o fígado, no entanto, recebeu a notícia de que precisaria de um transplante apenas em agosto do ano passado.
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"Eu tive prioridade na fila de transplantes porque me encaixava num dos casos especiais", conta. Na época, a pedagoga estava muito debilitada e com um quadro de anemia profunda, o que fez com que ela já estivesse em isolamento social antes mesmo da quarentena ser decretada no estado de São Paulo.
Apesar de estar com a imunidade baixa – que ficaria ainda mais fragilizada após a cirurgia – e saber dos riscos da pandemia, Alvanir relata que o sistema adotado pelo hospital fez com que ela sentisse segurança para realizar a operação. "Desde o momento em que cheguei no hospital já tinham o 'esquema armado' de prevenção da Covid. A internação foi o que me passou mais segurança. Tanto os médicos quanto a equipe do hospital me deixaram bem segura em relação aos procedimentos".
Já Maria Aparecida Cardillo, de 62 anos, realizou um transplante renal após dois anos e meio na fila fazendo hemodiálise. A profissional de saúde sofria de doença policística renal, que fez com que seus rins parassem de funcionar. Ela conseguiu receber o órgão no início do mês de outubro e conta que não pensou duas vezes quando soube que tinha um doador compatível. "Se eu tivesse feito no início da pandemia, estaria mais assustada. É uma vida muito sofrida. A pessoa se desgasta tanto que decide fazer a cirurgia mesmo durante a Covid", explica.
No hospital em que a cirurgia de Maria foi realizada, ela percebeu diversos cuidados por parte dos profissionais, como o distanciamento social, o uso de máscara o tempo todo e, principalmente, uma atenção especial à higiene. "Tudo o que ia encostar em mim era esterilizado. Eles foram bem cuidadosos o tempo inteiro", conta. "O hospital tem um cuidado muito grande com todos os protocolos da Covid, então não tive nenhuma preocupação".
Embora o terceiro trimestre tenha demonstrado uma melhora, casos como os de Alvanir e Maria Aparecida ainda não são a maioria. De acordo com a ABTO, o índice de procedimentos realizados neste ano está previsto para um pouco abaixo de 16,5 pmp, cerca de 10% abaixo da taxa registrada em 2019. Entretanto, a expectativa da instituição é que as pessoas se conscientizem mais sobre a doação de órgãos e que, em consequência disso, a recuperação se acentue até o final de 2020.