Jair Bolsonaro
José Dias/PR
Jair Bolsonaro

As acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro , contra Jair Bolsonaro , reacenderam a discussão sobre a possibilidade de que o presidente da República seja acusado de ter cometido crimes de responsabilidade . Ao GLOBO, juristas divergiram sobre a gravidade das acusações, mas admitiram que, como o impeachment é um julgamento muito mais político do que jurídico, o presidente corre riscos de passar pelo traumático processo.

Nesta manhã, Sergio Moro expôs tentativas do presidente de interferir em investigações em curso e de fazer alterações na Polícia Federal sem razões técnicas. O GLOBO conversou com os juristas Ives Gandra Martins, Belisário dos Santos Junior, ex-secretário de Justiça de São Paulo, e Floriano de Azevedo Marques Neto, diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e apresenta o entendimento de cada um sobre os principais pontos da questão.

Autonomia da Polícia Federal

O advogado e jurista IVES GANDRA MARTINS diz que há divergências no Direito sobre os limites da relação entre o presidente da República e a Polícia Federal. Gandra é defensor da tese de que a instituição tem assegurada a garantia de autonomia para exercer seu trabalho. Mas ele destaca que há outra tese que considera que o presidente tem direito a conhecer tudo o que se passa no poder Executivo, incluindo órgãos como a PF.

"Essa não é uma questão pacificada no Direito", disse Gandra Martins.

O ex-secretário de Justiça de São Paulo BELISÁRIO DOS SANTOS JR. explica que a autonomia da Polícia Federal precisa ser compreendida do ponto de vista processual e não administrativo. Ele diz que a instituição tem que ter liberdade para conduzir suas investigações, mas não é um órgão autônomo como Ministério Público e a Justiça porque não tem controle sobre o próprio orçamento.

"Quem assume dizendo que vai mandar na Polícia Federal não entende de Direito Público nem de Direito Administrativo. A autonomia da Polícia Federal existe e tem sido preservada por todos os ministros que passaram nos últimos anos pelo ministério. A independência da Polícia Federal está diretamente ligada à estruturação da investigação no processo penal. Ninguém pode se meter numa investigação. Já a autonomia para formular o próprio orçamento ela não tem", afirmou Santos Jr.

O diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO, afirmou que, caso sejam comprovadas a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de mudar superintendentes e o próprio diretor-geral sem razão técnica, isso poderia ser entendido como um crime de responsabilidade cometido pelo presidente. Segundo ele, o presidente iria contra normas estipuladas na Constituição em relação à independência de órgãos como a polícia.

"Foi uma afirmação do ex-ministro Moro que indica a possível expedição de ordens verbais para que o então ministro adotasse procedimentos contrários ao que determina a Constituição, como a autonomia da Polícia Federal", afirmou.

Interferência política em investigações

IVES GANDRA MARTINS considera frágeis, até o momento, os aspectos jurídicos implicados a Bolsonaro. Ele diz que a acusação de Moro de que o presidente gostaria de interferir na escolha do diretor-geral da Polícia Federal para ter controle de investigações não se materializou em provas. Portanto, estaria no campo apenas da intenção. Por isso, na opinião do advogado, não há elementos jurídicos, por enquanto, para uma representação por improbidade administrativa contra Bolsonaro.

"Se houver provas de que, de fato, alguma investigação mudou seu rumo por uma ação do presidente, aí sim caberia uma alguma representação contra ele", afirmou.

Já BELISÁRIO DOS SANTOS JR. diz que a interferência de uma autoridade na condução de trabalhos da Polícia Federal fere princípios da administração pública e configura crimes de responsabilidade.

"O presidente não está violando a autonomia da Polícia Federal mas o princípio da probidade e da impessoalidade da administração pública. Os dois princípios se conjugam para dizer que ninguém pode nomear alguém para ser instrumento para atingir interesses pessoais. Isso é crime de responsabilidade. E o fórum para desdobramento disso é o campo político, o Congresso. Acho difícil alguém oferecer uma denúncia contra o presidente da República com base no que fez hoje, mas sim por uma somatória de atos recentemente", disse Santos Jr..

FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO destacou ainda um ponto da fala do ex-ministro Sergio Moro, que indicou que Bolsonaro teria tentado interferir em inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal. Segundo o professor, o episódio tem implicações políticas graves do ponto de vista do respeito às instituições democráticas.

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"A se considerar o que o ministro falou, havia um projeto em curso para interferir nos inquéritos que estão no Supremo. Isso caracteriza uma tentativa de obstrução na mais alta corte no país e que fortalece a hipótese do crime de utilização do cargo para abuso de poder".

Exoneração sem aval de ministro

IVES GANDRA MARTINS vê baixo risco para Bolsonaro na esfera judicial no episódio da exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Aleixo, publicada em Diário oficial nesta sexta-feira.

"Isso é praxe corriqueira, publicar algo sem ter a assinatura de um ministro. O que temos de excepcional agora é que o ministro em questão era contra o que foi publicado. Se não fosse, não estaríamos tendo essa discussão", disse Gandra Martins.

BELISÁRIO DOS SANTOS JR. entende que a publicação da exoneração com a assinatura de Moro no Diário Oficial sem que o ministro tenha dado aval para tal pode levar a uma queixa de falsidade.

"Sabe-se que isso é praticado todos os dias, mas neste casos não tinha anuência do ministro. Acho que houve crime aqui. No caso de crime comum, qualquer cidadão pode representar à Procuradoria Geral da República contra o presidente. Ela submete a denúncia ao STF", afirmou Santos Jr..

FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO também acredita que a publicação do decreto com a assinatura do ex-ministro sem seu conhecimento também pode implicar no crime de fraude.

"O Moro diz que foi publicado em ato oficial sem sua aquiescência e revelando um motivo de exoneração, em que consta como se tivesse sido feita "a pedido", que também se revelaria falso. Isso é um crime comum e se o procurador-geral da República fizer uma representação, poderia imputar ao presidente a prática de fraude, alegando que o presidente assinou um ato que ele sabia ter sido forjado. A demissão é um ato do Presidente. Colocar a assinatura de outra pessoa é fraude", afirma.

Impeachment

IVES GANDRA MARTINS diz que aspectos jurídicos menores podem ganhar relevância para desdobramentos no campo político.

"Hoje não vejo um motivo jurídico para um impeachment. Mas o mais fraco dos argumentos jurídicos pode se tornar forte na política. Não acho que o presidente corra riscos do ponto de vista jurídico neste momento. Do ponto de vista político, ainda temos que esperar", disse o advogado, referindo-se a eventuais pedidos de impeachment contra Bolsonaro.

BELISÁRIO DOS SANTOS JR., por outro lado, acredita haver elementos jurídicos no episódio relatado por Moro e em fatos anteriores, como o discurso de Bolsonaro durante manifestação em defensa de intervenção militar em Brasília no último domingo, para o encaminhamento de um pedido de impeachment.

"As condições jurídicas para um impedimento estão dadas. Eles está dando cores culturais, ideológicas e religiosas para o exercício da Presidência da República e ele não pode fazer isso. Agora cabe a avaliação dos poderes políticos", afirmou Santos Jr.

FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO afirma que há indícios de crimes de responsabilidade do presidente, mas também levantou a possibilidade de que crimes comuns possam ter sido cometido por Bolsonaro.

"São afirmações de grande gravidade e tenho a impressão de que é pouco provável que o ex-ministro as fizesse sem ter elementos para corroborá-las, para sustentar o que está dizendo. E são afirmações vindas de uma pessoa que ocupava o Ministério da Justiça, o que assume uma gravidade ainda maior. São afirmações vindas de alguém que conhece o Direito Penal e portanto sabe a gravidade do que estava dizendo. Dificilmente ele as teria feito se não tivesse condição de comprová-las". 

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