O negócio, com dispensa de licitação, envolve o empenho de R$ 183,5 milhões em recursos do Fundo Estadual de Educação (FES), direcionados para três contratos de fornecimento junto a distribuidoras sem tradição no mercado
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O negócio, com dispensa de licitação, envolve o empenho de R$ 183,5 milhões em recursos do Fundo Estadual de Educação (FES), direcionados para três contratos de fornecimento junto a distribuidoras sem tradição no mercado

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) abriu inquérito para investigar a compra emergencial de mil respiradores para o combate ao surto de Covid-19.

O negócio, com dispensa de licitação, envolve o empenho de R$ 183,5 milhões em recursos do Fundo Estadual de Educação (FES), direcionados para três contratos de fornecimento junto a distribuidoras sem tradição no mercado. O ex-subsecretário executivo de Saúde Gabriell Neves, responsável pelas compras, foi afastado do cargo.

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Dados extraídos do site Transparência.RJ mostram que o governo fluminense desembolsou pelo menos R$ 18 milhões pelos equipamentos. Uma comparação feita pelo GLOBO, com a ajuda de um especialista, entre os valores pagos às três fornecedoras (ARC Fontoura Indústria, Comércio e Representações, MHS Produtos e Serviços e A2A Comércio Serviços e Representação) e as cotações de mercado sinalizam que houve sobrepreço.

Procurada, a secretaria estadual de Saúde informou que, em nome da transparência da gestão e para atender às determinações de lisura e austeridade do governo do estado e por decisão do governador Wilson Witzel e do secretário Edmar Santos, abriu uma auditoria para acompanhar os contratos durante o período de estado de emergência.

Em comunicado recente, o órgão admitiu que houve “declínio de empresas com contratos celebrados” e fez um chamamento público para as empresas que possuem estoque para a disponibilização imediata entregarem propostas para serem analisadas pelo corpo técnico da pasta.

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Com base na Lei nº 13.979/20 (que regulamenta medidas de controle da pandemia), a secretaria estadual de Saúde, gestora do fundo, contratou, com dispensa de licitação, as empresas ARC Fontoura Indústria, Comércio e Representações, para o fornecimento de 400 ventiladores pulmonares, ao preço unitário de R$ 169,8 mil, e MHS Produtos e Serviços, para a entrega de 300 aparelhos, pelo valor unitário de R$ 187,5 mil, em contratos com vigência de 23 de março a 31 de dezembro. Contratou ainda a A2A Comércio Serviços e Representação, empresa da área de informática, para fornecer outros 300 unidades respiradores por R$ 50,4 milhões.

Sites especializados em produtos hospitalares, consultados pelo GLOBO, informam que os ventiladores pulmonares do mesmo modelo dos 300 comprados à MHS custam em torno de R$ 21 mil ( 8,9 vezes mais barato). No caso dos 400 aparelhos fornecidos pela ARC, um contrato firmado no mesmo período pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (Uerj) pagou à fornecedora Magnamed Tecnologia, por 10 ventiladores semelhantes, R$ 37,4 mil a unidade (4,5 vezes menos).

No MP-RJ, a investigação está a cargo de uma das promotorias do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania, que já está trabalhando no caso. Já se sabe, por exemplo, que a MHS, uma das empresas contratadas, não tinha autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comercializar produtos hospitalares.

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A secretaria de Saúde informou por nota que adquiriu equipamentos adequados para o atendimento e que os modelos de respiradores citados na demanda “são diferentes dos adquiridos pelo hospital universitário”. No caso da aquisição feita pelo órgão, “os aparelhos contam com tela colorida, touch screen, além de três circuitos respiratórios independentes, com qualidade superior, fazendo com que o equipamento não seja substituído para higienização e garantindo atendimento mais adequado aos pacientes com coronavírus”.

A secretaria informou ainda que “a variação de valores se deve ao prazo de entrega de fornecedores e à disponibilidade de estoque, sobretudo neste momento de busca global por respiradores e equipamentos de proteção individual, que se tornou um item escasso”.

Aparelho genérico

Submetido a profissionais do mercado, o contrato de compra dos 400 ventiladores fornecidos pela ARC indica um aparelho genérico, cujos detalhes técnicos não justificam o sobrepreço. De acordo com eles, um valor mais alto (ainda assim, longe dos patamares pagos pelo governo do Rio), só se justificaria se o equipamento tivesse alta frequência, mas não há nada no contrato que mostre isso. Além disso, a nota não explica os motivos pelos quais a secretaria pagou 8,9 vezes mais pelo ventilador fornecido pela MHS.

Aberto em 12 de março, o processo dos ventiladores da ARC foi concluído 11 dias depois. Informa que três fornecedores foram consultados antes do fechamento da compra: Atacadão Farmacêutico Comércio de Material Médico Hospitalar, Jabel Marketing e Representações e Alimentos e a ARC Fontoura. Jabel e Atacadão têm um sócio em comum, Maria Monteiro da Fontoura, de acordo com dados da Receita Federal. Outros detalhes chamam atenção: a ARC e o Atacadão têm o mesmo telefone, 2426-6037, e o sobrenome de Maria Monteiro é semelhante ao nome da vencedora, ARC Fontoura.

Na semana passada, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), exonerou a então subsecretária de Gestão da Atenção Integral à Saúde , Mariana Scardua. Médica e conhecida pela capacidade técnica de gestão, ela cuidava da fiscalização de contratos e gestão de recursos. Nos últimos meses, Mariana vinha perdendo atribuições para o Gabriell Neves, que centralizou boa parte das decisões desde que assumiu, em fevereiro deste ano. E que também ficou descontente com contratações feitas com aval do subsecretário executivo.

Sem tradição no mercado

As duas empresas contratadas, ARC e MHS, não têm histórico de fornecimento para o estado. A MHS só aparece no site de compras do governo estadual como fornecedora dos 300 ventiladores e não aparece no site da Anvisa como empresa autorizada a comercializar produtos hospitalares. Já a ARC, que tem autorização da Anvisa, havia ganho duas licitações anteriores, uma de R$ 367 mil e outra de R$ 3,5 mil.

O capital social das duas empresas é incompatível com o valor do negócio com o governo do Rio. O da ARC é de R$ 2 milhões e o da MHS, R$ 100 mil. Sediada na Rua Belisário Pena 491, na Penha, Zona Norte do Rio, a ARC Fontoura Indústria, Comércio e Representações (ou “Our Company”), foi favorecida com um contrato de R$ 67,92 milhões para o fornecimento de 400 ventiladores pulmonares. A empresa, que tem como sócia-administradora Cinthya Silva Neumann, filiada ao PMDB de Nova Iguaçu, está inscrita na Receita com atividade principal de “intermediação e agenciamento de negócios em geral, exceto os imobiliários”.

Já a MHS Produtos e Serviços foi favorecida por um contrato de R$ 56,268 milhões, referente a 300 ventiladores com valor unitário de R$ 187,560 mil. Fica na Avenida Campo Mourão, em Guaratiba, Zona Oeste do Rio. A empresa não tem como atividades cadastrada na Receita Federal a venda de equipamentos hospitalares. Sua atividade principal é o comércio de produtos alimentícios. O processo eletrônico de compra da MHS foi iniciado em 31 de março, e o contrato é de 2 de abril, dois dias depois, e só houve um participante.

O endereço da MHS no contrato não é o que consta no CNPJ da Receita Federal, é um endereço dentro do condomínio residencial Terra Américas, no Recreio dos Bandeirantes.

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