Prateleiras vazias vistas em uma loja ilustram a escassez nacional de fórmulas infantis
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Prateleiras vazias vistas em uma loja ilustram a escassez nacional de fórmulas infantis

A crescente escassez de fórmulas infantis nos Estados Unidos, atribuída principalmente a um suposto problema de contaminação bacteriana em uma fábrica da Abbott em Michigan, tem ameaçado a saúde de bebês e de pessoas que dependem do produto para se alimentar, como também representa uma nova crise no governo do presidente Joe Biden, a seis meses das eleições que vão definir o Congresso.

Com a inflação no maior patamar em 40 anos, e com as taxas de aprovação cada vez mais baixas do presidente, a crise do leite em pó virou mais uma arma entre os republicanos, com críticas centradas na ideia de que Biden e os democratas são imprudentes em assuntos que afetam o bolso dos americanos comuns.

Na tentativa de enfraquecer ainda mais o presidente, republicanos até tentam vincular a escassez das fórmulas a outras questões, como as políticas de fronteira e até mesmo os esforços para reduzir as overdoses de drogas no país.

Em uma coletiva de imprensa no Capitólio na quinta-feira, Marjorie Taylor Greene, deputada republicana da Geórgia, criticou o governo Biden por distribuir fórmula infantil para os migrantes na fronteira, "enquanto mães e bebês americanos não conseguem encontrá-la". Segundo um funcionário da Casa Branca, essa distribuição de alimentos é obrigatória por lei desde 1997, tendo sido seguida inclusive pelo ex-presidente republicano Donald Trump.

Já Mike Waltz, o deputado republicano da Flórida, acusou Biden de facilitar o acesso a cachimbos para o uso de drogas em vez de ampliar o fornecimento das fórmulas, em uma alegação baseada em uma mentira publicada por um site conservador e já desmentida pela imprensa americana.

Tentando conter a crise, o presidente dos EUA se reuniu na quinta-feira com fabricantes e varejistas de fórmulas infantis, pressionando-os a fazer o possível para aumentar o acesso do produto às famílias. Alguns fabricantes já aumentaram a produção há algumas semanas, e as autoridades também se concentram em encontrar soluções para colocar o leite nas prateleiras das lojas mais rapidamente.

— Nas últimas quatro semanas, houve mais produção de leite para bebês do que nas quatro semanas anteriores ao recall dos produtos da Abbott — afirmou Brian Deese, assessor econômico da Casa Branca, à CNN.

Segundo a Casa Branca, a Food and Drug Admnistration (FDA, a Agência de Vigilância Sanitária americana) anunciará novas medidas nas próximas semanas sobre a importação de produtos que compõem as fórmulas infantis.

Além disso, Biden pediu à Comissão Federal de Comércio para investigar relatos de conduta predatória, como manipulação de preços, nas quatro maiores fabricantes de fórmulas infantis do país: a Abbott Nutrition, a Mead Johnson Nutrition, a Nestlé USA e a Perrigo.

Apesar dos esforços, a escassez pode durar algum tempo, sugeriu Deese, enfatizando que a prioridade do governo é a segurança e que a questão não será resolvida “em um dia ou uma semana”.

Como começou a crise das fórmulas infantis?

Desencadeada inicialmente pela inflação histórica e dificuldades na cadeia de suprimentos, como a escassez de alguns ingredientes, embalagens e mão de obra, o problema foi agravado com o fechamento voluntário de uma fábrica da Abbott Nutrition, em fevereiro, após a hospitalização de quatro bebês por infecção bacteriana — dos quais dois morreram —, supostamente causadas pela ingestão de um dos produtos.

Apesar de uma investigação ter apontado que o produto não tinha relação com as mortes, ele foi retirado do mercado e, três meses depois, a fábrica ainda não voltou a operar, pois depende da autorização da FDA.

Com a paralisação da fábrica, muitos pais e cuidadores se sentiram impelidos a fazer estoque, o que levou a um rápido desaparecimento das fórmulas nas prateleiras. Outros recorreram a métodos potencialmente perigosos e não recomendados, como diluir a fórmula ou tentar receitas caseiras.

A alta demanda fez com que algumas grandes redes de supermercados limitassem a quantidade do produto por compra, e há a preocupação com a manipulação de preços. De acordo com a empresa de dados Datasembly, 43% das marcas populares estavam esgotadas em todo o país no início de maio.

Após o fechamento da fábrica em Michigan, a FDA afirmou ter encontrado graves violações de segurança alimentar no local.

As descobertas também levantam questionamentos sobre as medidas tomadas após as inspeções, pois a agência já havia feito uma visita de rotina à mesma fábrica em setembro de 2021, na qual detectou o potencial de contaminação — inclusive pela Cronobacter sakazakii, bactéria causadora de uma infecção possivelmente mortal para bebês pequenos — em um dos lotes, segundo relatório obtido pela Bloomberg. O lote em questão não chegou a ser distribuído posteriormente.

Como a escassez tem afetado as famílias americanas?

Segundo o relatório de Aleitamento Materno do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), de 2020, um em cada cinco bebês são alimentados com fórmula infantil nos primeiros dois dias de vida nos EUA. Aos três meses de idade, mais da metade ainda necessita de alguma fórmula como suplemento alimentar, sobretudo entre os que têm dificuldade com a amamentação materna.

O problema também acaba por evidenciar ainda mais as desigualdades sociais no país. Ainda segundo dados do CDC, pessoas mais pobres e negros, hispânicos e asiáticos fazem maior uso das fórmulas infantis nos primeiros meses de vida de seus filhos. Devido à falta de uma rede de proteção social mais ampla e à ausência de licença familiar remunerada, o relatório aponta que é mais provável que esses pais e cuidadores necessitem do auxílio de tais suprimentos, uma vez que não podem abrir mão de trabalhar.

Além da problemática social entre as famílias com bebês, pessoas com condições médicas especiais, incluindo distúrbios metabólicos, alérgicos e gastrointestinais, fazem uso de fórmulas específicas produzidas por essas empresas e, portanto, também foram afetadas pela crise. Segundo um relatório do site Politico, cerca de 2 mil americanos, entre adultos e crianças, têm algum distúrbio grave do tipo.

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