Após passado de apoio de Washington a ditaduras e da ascensão de governos anti-EUA, região tende a cooperar sob condições
Em um contexto marcado pelo protagonismo do Brasil no cenário mundial, pela ascensão de governos com retórica antiamericana e pela crise financeira da qual os EUA ainda se recuperam, a expectativa é que a viagem de Obama à região impulsione as relações entre Washington e países latino-americanos.
De acordo com o vice-conselheiro de Segurança Nacional para Comunicações Estratégicas dos EUA, Ben Rhodes, o giro latino-americano de Obama será a viagem símbolo da política de seu primeiro mandato para a região. "O presidente terá a oportunidade de detalhar o que estamos fazendo em várias áreas-chave, como cooperação energética, segurança dos cidadãos, crescimento econômico e desenvolvimento, democracia e direitos humanos", disse na quarta-feira.
Rhodes também lembrou que Brasil e Chile tiveram bem-sucedidas transições de governos autoritários para democráticos, o que os tornaria exemplos para países como Egito e Tunísia, que recentemente foram palco de mobilizações populares que forçaram a queda de regimes autocráticos.
Para o especialista em relações entre EUA e América Latina, Rafael Villa, da Universidade de São Paulo, daqui para frente haverá mais parceria e autonomia nas relações do que nas últimas décadas.
“Haverá uma cooperação mais vigilante e atenta entre os governos regionais em relação à política americana”, afirmou o especialista, que cita o surgimento da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), em 2008, e o descontentamento regional sobre a concessão de uso de bases militares na Colômbia, em 2009, como exemplos de maior independência em relação a Washington. Segundo ele, “não será uma cooperação incondicional às políticas dos EUA”, como nos anos das ditaduras militares.
“Essa visita reflete as prioridades de longo prazo da administração Obama, que também busca reconhecer a emergência do Brasil como um parceiro essencial, política e economicamente”, disse Kirk Buckman, da Universidade de New Hampshire, nos EUA. “Obama identificou particularmente a América Latina e a Rússia como regiões que precisavam de esforços renovados para melhores relações. Mas, apesar do anúncio de uma nova era, isso ainda precisa acontecer de fato.”
A viagem concretizaria expectativas de relações promissoras quando Obama tomou posse, em 2009, mas que recuaram no segundo ano de governo. Além disso, o presidente americano buscaria não repetir o erro de seu antecessor George W. Bush (2001-2009), para quem a região teve uma parca prioridade na política externa, o que abriu espaço para o surgimento de governos com discurso antiamericano, como o de Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Daniel Ortega (Nicarágua).
‘Imperialismo’
Como um dos maiores porta-vozes do antiamericanismo na região, Chávez, por exemplo, costuma condenar a ingerência americana (que chama de "imperialismo") que marcou a região em décadas passadas. Depois do período da Doutrina Monroe, no fim do século 19, em que Washington via a América Latina como esfera da influência, os anos 60, 70 e 80 ficaram marcados por governos militares apoiados por Washington. No contexto da Guerra Fria, a batalha regional contra o comunismo levou à perseguição de membros da luta armada de esquerda, em cooperação conjunta do Plano Condor.
As relações esfriaram com o fim da Guerra Fria e resultaram em um distanciamento que se aprofundou ainda mais depois do 11 de Setembro, com a política externa americana voltada para conflitos no Iraque e no Afeganistão. “O 11 de Setembro foi fundamental para esse esfriamento”, disse Villa. “Na medida em que boa parte dos países latino-americanos não concordaram com os termos da guerra ao terror, apenas aliados como a Colômbia tiveram maior alinhamento ideológico e político com os EUA.”
Posturas de países da região também pesaram para o distanciamento das relações. Com Chávez apoiando Cuba incondicionalmente e o Brasil reticente em condenar violações de direitos humanos por parte do governo iraniano, durante as eleições de 2009, a Casa Branca se afastou. “A política externa brasileira, especialmente com Lula, mostrou-se contraditória para os EUA. O caso do Irã é um bom exemplo, assim como a proximidade com Chávez e Cuba”, observou Kenneth Maxwell, da Universidade de Harvard.
Presente
A chegada de Dilma Rousseff à Presidência da República é vista por analistas e diplomatas americanos como uma mudança de postura em relação aos direitos humanos no Irã. Uma visão mais cética de Dilma em relação ao governo iraniano é bem-vinda pela Casa Branca.
Além disso, a descoberta das reservas de petróleo na camada pré-sal e a relevância do Brasil no cenário internacional, que passou a ser a sétima maior economia do mundo, reforçam os laços econômicos. Nesse contexto, acordos sobre venda de petróleo brasileiro para os EUA, infraestrutura e aviões militares americanos para o Brasil certamente serão debatidos durante a visita de Obama.