Com o acirramento da batalha jurídica na corrida pelo Palácio do Planalto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenta estabelecer parâmetros claros par definir em quais circunstâncias vídeos, fotos ou declarações com ofensas ou fake news contra os candidatos devem ser excluídos das redes sociais ou retirados de circulação.
A intenção é evitar decisões conflitantes, que possam ser usadas como argumento pelas campanhas para apontar eventual imparcialidade dos magistrados. Esses critérios serão discutidos em uma série de julgamentos previstos para os próximos dias.
Até esta terça-feira, o tribunal já havia recebido 124 ações relacionadas a reclamações por propaganda irregular, que incluem desde pedidos de remoção de posts nas redes sociais a outdoors instalados por apoiadores. Mais de um terço delas (37%) foram rejeitadas, enquanto outras 18 (14,5%), aceitas.
Duas decisões proferidas nesta semana, contudo, foram vistas internamente no tribunal como exemplo da falta de critérios claros do que pode ou não ser publicado. Em uma delas, a ministra Maria Claudia Bucchianeri determinou na segunda-feira a exclusão de uma postagem em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, dizia que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva iria proibir o trabalho de motoboys e motoristas de aplicativos, como iFood e Uber, caso seja eleito. Na decisão, a magistrada destacou que “fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidos pela Justiça Eleitoral”.
No dia seguinte, o ministro Raul Araújo, por sua vez, negou um pedido da campanha do petista para remover publicações em redes sociais associando o PT à distribuição de um suposto "kit gay" nas escolas, o que nunca ocorreu. A coligação de Lula citou que o TSE já mandou excluir vídeos de Bolsonaro a respeito do tema em 2018 por entender se tratar de informação inverídica.
Ao rejeitar a ação, contudo, Araújo argumentou que "o vídeo publicado não apresenta fato evidentemente falso ou gravemente descontextualizado, nem ofensivo à honra de candidato ou à higidez do processo eleitoral, a caracterizar conteúdo desinformativo que autorize a interferência desta Justiça Especializada".
Uma outra decisão de Araújo também gerou controvérsia na Corte. No início do mês, o ministro mandou remover da internet vídeos em que Lula chama Bolsonaro de "genocida", mas negou os pedidos feitos pela campanha do presidente envolvendo a palavra "canalha".
Como mostrou O GLOBO na ocasião, magistrados entenderam que a decisão abriu um precedente perigoso, uma vez que não há um critério claro do que pode ou não ser considerado ataque a honra dos candidatos — e, por consequência, ser excluído. Eles comparam, por exemplo, a quem chama seu adversário de "ladrão", como o próprio Bolsonaro costuma se referir ao ex-presidente.
Para uma ala de ministros do TSE ouvidos pelo GLOBO, a exclusão de conteúdo deve ser sempre tratada como uma medida excepcional e que a Corte não pode atuar como uma "curadora" do debate político. Esses magistrados entendem que a retirada de publicações deve acontecer apenas se há expressamente uma inverdade, quando o conteúdo a respeito do candidato é baseado em uma mentira.
Na avaliação desses integrantes do tribunal, palavras e expressões que podem ser consideradas "ofensivas" fazem parte da discussão entre os atores políticos, não cabendo, nesse caso, a intervenção da Justiça.
Dos quatro ministros designados para analisar representações relativas à propaganda eleitoral, Bucchianeri e Araújo são os dois que mais tomaram decisões até agora, tendo rejeitado a maioria delas. Carmén Lúcia e Paulo de Tarso Sanseverino, que assumiu a função no dia 22, ainda não aceitaram nenhum pedido.
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, contudo, definiu que as decisões individuais devem ser analisadas posteriormente em plenário, onde todos opinam, o que ajudará o tribunal a chegar a um entendimento uniforme sobre o que o tribunal entende como passível ou não de exclusão. Esses julgamentos estão previstos para começar nesta semana.
Entre as campanhas, a coligação de Lula e seus aliados (como diretórios locais do PT) foram responsáveis pela metade das ações apresentadas ao TSE, 62, mas apenas 4 foram aceitas até agora. A equipe de Bolsonaro, por sua vez, entrou com 18 pedidos, mas só tiveram 3 aceitos.
Efeito Streisand
Além do cuidado em definir critérios claros sobre a remoção de conteúdos, existe uma preocupação entre magistrados do TSE que, em alguns casos, as ordens de remoção tenham efeito contrário: uma vez que a Justiça é provocada, o conteúdo passa a ser conhecido por mais pessoas e, eventualmente, gerando um engajamento maior. É o chamado "efeito Streisand", a viralização de um material que se quer esconder.
Foi o que ocorreu com o vídeo publicado nas redes sociais da Central Única dos Trabalhadores (CUT) que associa Bolsonaro a mortes durante a pandemia da Covid-19. A ministra Maria Claudia Bucchianeri determinou a remoção do material sob o argumento que de a entidade, por não ter fins lucrativos, é proibida pela Lei das Eleições de fazer propaganda eleitoral. Ela atendeu a um pedido do PL, partido de Bolsonaro.
Quando as imagens foram retiradas dos canais da CUT, na quarta-feira passada, as visualizações não passavam de 3.500. Mas o material acabou sendo replicado por outras entidades, como o PT, e gerou um engajamento maior do que antes. Até o início da semana, o vídeo ultrapassava 175 mil visualizações. A decisão não impedia a republicação por outras fontes, e tratava apenas da vedação relativa à entidade sem fins lucrativos.
Para o advogado especialista em direito eleitoral e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Marcelo Weick, a remoção deve se limitar a propagação de divulgação de fatos sabidamente inverídicos (a mentira chapada), a calúnia, a injúria, a difamação e os discursos de ódio.
"Isto não inviabiliza, porém, a crítica política, o discurso mais ácido ou contundente. Se assim não fosse, não haveria espaço para a oposição, para a dialética necessária para o eleitor se informar, poder realizar a comparação e decidir o seu voto", explica.
O professor lembra que já existem muitos julgados do TSE e Tribunais Regionais Eleitorais que apresentam esses parâmetros e critérios sobre o que pode ou não pode ser divulgado a respeito dos adversários.
"O problema é que, em muitas situações, os(as) candidatas pagam pra ver ou apostam na demora do controle judicial. Ocorre que, atualmente, a Justiça Eleitoral está muito mais rápida e cada vez mais em interação com as plataformas, o que acelera o cumprimento das decisões judiciais", aponta.
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