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Fundo partidário abasteceu empresas de integrantes da legenda, aponta auditoria. À época candidato à presidência, Aécio Neves liderava o partido

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Geraldo Magela/Agência Senado
Inquérito investiga PSDB na época em que Aécio era presidente da sigla

O Ministério Público Federal abriu um inquérito civil de improbidade administrativa para apurar irregularidades detectadas na prestação de contas do PSDB de 2014, à época presidido pelo então candidato à Presidência da República Aécio Neves (MG), hoje deputado federal. Relatório de auditoria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) detectou indícios de irregularidades em gastos de R$ 10 milhões do fundo partidário — dentre elas, o recebimento de recursos do fundo por empresas pertencentes a integrantes do próprio partido.

O inquérito foi instaurado em 18 de dezembro pela procuradora Carolina Martins Miranda de Oliveira, da Procuradoria da República do Distrito Federal (PR-DF), e correrá na primeira instância porque não existe foro privilegiado na esfera civil. Parte do material também foi remetido para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se há indícios para investigar a existência de crimes, já que parte dos personagens envolvidos possui foro privilegiado. Os fatos descritos na prestação de contas podem configurar, além de improbidade, "os crimes de apropriação indébita, peculato, falsidade ideológica" e outros, aponta a Procuradoria.

A investigação é um desdobramento da análise da prestação de contas de 2014 do PSDB pelo TSE, que ainda não foi julgada. Em agosto, o vice-procurador-geral eleitoral Humberto Jacques de Medeiros recomendou ao TSE a rejeição das contas da legenda referente àquele ano e a devolução de R$ 3,5 milhões aos cofres públicos por causa das irregularidades na aplicação do fundo partidário.

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De acordo com o relatório do TSE, as irregularidades de R$ 10 milhões na aplicação do fundo partidário corresponderam a 26% da receita. O vice-procurador-geral eleitoral considerou graves as irregularidades por “alcançarem percentual expressivo (11% nas contas do Diretório e 26% nas contas do Comitê Financeiro) comprometendo-se a regularidade, a transparência e a confiabilidade”.

Parte dos indícios de irregularidades se refere à aplicação dos recursos em empresas que, em tese, não teriam capacidade financeira para prestar os serviços previstos nos contratos. O GLOBO teve acesso à íntegra da investigação. Um dos casos envolve a contratação da empresa Chaves & Graziano — Agronegócios e Marketing Rural, pertencente a Xico Graziano, que à época integrava o diretório nacional da legenda — em 2018, ele deixou o PSDB para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência.

A auditoria do TSE aponta que a empresa tinha capital social de R$ 1.100,00 e não contava com funcionários registrados. "Não há evidência de capacidade operacional para prestação de serviços de assessoria na conceituação, implementação e gerenciamento de sistema de comunicação partidária em ambiente web no período de 29/1/2014 até 30/6/2014, pelo valor total de R$ 500 mil, conforme contrato", diz o relatório. A auditoria destaca que "não foram apresentados elementos suficientes para comprovar a prestação dos serviços" e que Xico Graziano, um dos sócios da empresa, "era membro da direção nacional do PSDB à época da execução do contrato".

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Outro caso envolve pagamentos no valor total de R$ 286 mil a uma empresa do ex-deputado federal João Almeida (PSDB-BA), também sem a efetiva comprovação da prestação dos serviços. Um dos indícios de fraude apontado pelo TSE é que as notas fiscais eram sequenciais — ou seja, a empresa do tucano aparentemente só prestou serviços para o PSDB em 2014. "Não foram apresentados relatórios dos serviços de consultoria prestados", diz o relatório. A auditoria acrescenta: "O dono da empresa, João Almeida dos Santos, era membro da direção nacional do PSDB à época da execução do contrato". Almeida era "diretor de gestão corporativa" do PSDB nesse período.

Aécio Neves era presidente do PSDB em 2014 e disputou a Presidência da República pelo partido. Seus 51 milhões de votos não foram suficientes para derrotar a ex-presidente Dilma Rousseff, que obteve 54 milhões. O tucano gastou R$ 201 milhões na campanha, enquanto a petista R$ 318 milhões. Em 2015, após a entrega da prestação de contas do PSDB, técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) notificaram a legenda a por inconsistências encontradas nos dados.

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Após esgotadas as diligências da investigação, caberá à Procuradoria decidir se apresenta à Justiça uma ação de improbidade administrativa contra os responsáveis pela prestação de contas. As sanções previstas na lei incluem suspensão de direitos políticos e aplicação de multa.

Outros lados

Procurado na tarde de quarta-feira por meio de sua assessoria, Aécio Neves não respondeu até a publicação desta reportagem. Também procurada, a assessoria do PSDB afirmou que as contas das eleições de 2014 ainda não foram avaliadas pelo TSE e que a legenda vai examinar o assunto antes de se pronunciar.

O ex-deputado João Almeida afirmou que foi contratado como pessoa jurídica para prestar os serviços de diretor de gestão corporativa do PSDB nacional e diz que não ocupava função na Executiva Nacional do partido, responsável pelas decisões políticas.

"Tenho um contrato celebrado com o partido para exercer essa função. Só que eu exerço isso como pessoa jurídica, não é carteira assinada. Eu não sou dirigente partidário, que seria membro da Executiva Nacional. Eu sou um diretor que exerce um cargo que a comissão executiva decide e manda executar", disse.

Xico Graziano não respondeu aos contatos da reportagem até a publicação.