O então presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou, e o presidente da China, Xi Jinping, apertam as mãos durante uma cúpula em Cingapura em 7 de novembro de 2015
Presidência de Taiwan
O então presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou, e o presidente da China, Xi Jinping, apertam as mãos durante uma cúpula em Cingapura em 7 de novembro de 2015

A visita da presidente da Câmara dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan nesta terça-feira suscitou preocupação internacional, após diversos alertas do governo da China continental de que reagirá de modo enérgico ao que considera uma provocação.

A história das tensões entre Pequim e Taipé remete à Guerra Civil Chinesa (1927–1937; 1946–1949), disputada entre os chamados nacionalistas chineses — também conhecidos como Kuomintang (KMT) — e os comunistas liderados por Mao Zedong, e oscila entre conflitos abertos, intimidações, diálogo e sugestões de mudanças do equilíbrio atual.

Subjacente à história há um fator geográfico crucial: a ilha ocupa uma localização central na costa chinesa, a 160 quilômetros a leste do continente, próxima às rotas marítimas do Mar do Sul da China (também chamado de Mar da China Meridional) e de grande importância militar e comercial.

A ilha está na interseção de diversos pontos do Leste asiático, das Filipinas às ilhas do Japão. Navios de praticamente todos os portos importantes do Nordeste da Ásia, da Coreia do Sul ao extremo oriente russo, trafegam pelo Estreito de Taiwan , onde, desde 1955, a navegação é dividida pela metade.

Se a República Popular da Chinar (RPC) — isto é, o governo de Pequim — dominasse o território, teria uma saída muito mais fácil para o Pacífico, incluindo águas profundas de onde seus submarinos poderiam navegar com mais liberdade.

Neste caso, os diversos aliados americanos na região, como Coreia do Sul, Japão e Filipinas, sofreriam impactos econômicos severos, por terem a navegação pelo estreito afetada.

Além disso, não mais acreditariam poder contar com Washington para a sua própria segurança, e buscariam alternativas, fosse armando-se nuclearmente, fosse aproximando-se de Pequim.

Abaixo, os principais marcos históricos da relação entre Taiwan e Pequim.

1949: A fuga para a ilha

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Guerra Civil Chinesa, que começou em 1927, foi retomada entre os nacionalistas chineses, liderados pelo generalíssimo Chiang Kai-shek, e o Partido Comunista Chinês (PCC), liderado por seu presidente, Mao Zedong.

Em dezembro, após uma série de derrotas dos nacionalistas, eles fugiram para Taiwan, levando consigo muitos tesouros nacionais e grande parte das reservas chinesas de ouro e moeda estrangeira.

Cerca de 2 milhões de pessoas deixaram a China continental naquela época, se somando a uma população anterior de cerca de seis milhões.

Desde então, Pequim acredita que Taiwan precisa ser reunificada com o continente. O governo de Taiwan — oficialmente, República da China, nome que ainda mantém — reivindicava então ser o único governo legítimo de toda a China, alegação nunca abandonada, embora não tenha mais efeitos práticos.

Em 1950, com a eclosão da Guerra da Coreia, o presidente americano Harry Truman declara que a "neutralização do Estreito de Formosa" é do interesse dos EUA, e destaca a Sétima Frota da Marinha americana para a área, efetivamente colocando Taiwan sob proteção de Washington.

Taiwan então era uma ditadura de partido único dominada pelo Kuomintang, condição que manterá até reformas na década de 1980. A primeira eleição presidencial no país só será realizada em 1996.

1954-1958: A tensão fica séria

A década de 1950 registrou dois conflitos francos: ao longo de 1954 e 1955, Pequim bombardeou as ilhas de Jinmen, Mazu e Dachen, sob o controle de Taiwan.

Sob sua política de contenção do comunismo, o Estado-Maior Conjunto dos EUA recomendou o uso de armas nucleares contra a China continental. O presidente Eisenhower, no entanto, resistiu à pressão para empregá-las ou envolver tropas americanas no conflito.

Em agosto de 1958, houve a Segunda Crise do Estreito de Taiwan, quando a República Popular Chinesa bombardeou as ilhas de Kinmen (Quemoy) e as ilhas Matsu.

A crise se encerrou com um cessar-fogo em 6 de outubro. A partir de então, os dois lados continuaram a bombardear-se mutuamente com projéteis contendo folhetos de propaganda em dias alternados da semana.

Esse arranjo peculiar prosseguiu até a normalização das relações diplomáticas entre Estados Unidos e a República Popular da China em 1979.

1971: RPC reconhecida na ONU

Desde 1946 Taiwan representava a China na ONU, ocupando inclusive o assento do país no Conselho de Segurança, o que muda finalmente em 1971.

Para mudar seu status, o governo da China continental alegou que mais de 98% dos cidadãos chineses viviam no continente – cerca de 540 milhões em 1950, comparados a apenas 8 milhões em Taiwan.

Embora Taiwan cumpra a maioria das oito exigências para ser reconhecido pelas Nações Unidas, para que isso aconteça, é necessário endosso do Conselho de Segurança, o que Pequim bloqueia.

1979 - O reconhecimento americano

Após 30 anos reconhecendo Taiwan, Washington mudou seu entendimento em 1979, apesar de manter boas relações com a ilha, inclusive oferecendo assistência militar.

Ao reconhecer Pequim, Washington reconhece a posição chinesa de que há “uma só China” e “Taiwan faz parte da China”, e diz que não apoia a independência de Taiwan.

Washington também adota a política conhecida como ambiguidade estratégica, no qual mantém a capacidade de defender Taiwan, mas não se compromete a fazê-lo.

Desde então, o principal objetivo americano dos Estados Unidos é manter a paz e a estabilidade no estreito entre a ilha e o continente.

Com o reconhecimento americano, cessam as agressões militares entre a ilha e o governo de Pequim.

Atualmente, só o Vaticano e mais 13 Estados, sobretudo pequenas ilhas, reconhecem Taiwan diplomaticamente.

1987-2016 - Uma aproximação frágil

No final de 1987, os moradores de Taiwan recebem permissão para visitar a China continental, permitindo que famílias se reúnam e motivando um boom no comércio.

Em 1991, Taiwan suspende o estado de emergência, encerrando unilateralmente um Estado de guerra com a China — um acordo de paz, contudo, nunca foi assinado.

No ano seguinte, surge o chamado Consenso de 1992, de acordo com o qual os dois lados concordam com o princípio de “uma só China”.

As partes, no entanto, nunca concordaram com o conteúdo desse chamado consenso, e cada uma oferece sua própria interpretação.

A RPC entende que “os dois lados do estreito pertencem a uma China, e dever trabalhar juntos para buscar a reunificação nacional”. Para o governo de Taiwan, o princípio significa “uma China, diferentes interpretações.

As negociações entre as partes foram interrompidas em 1995, quando Pequim suspendeu as negociações em protesto contra uma visita do presidente taiwanês Lee Teng-hui aos EUA.

Em 1996, a China testou mísseis durante a primeira eleição presidencial democrática da ilha.

As relações continuam com momentos de proximidade e distância. As aproximações incluem a eleição de Ma Ying-jeou em 2008, amigável a Pequim, e um encontro entre os líderes das duas partes em CIngapura 2015.

2016-presente - O acirramento das tensões

A vitória da candidata da oposição Tsai Ing-wen, do Partido Democrático Progressista, uma sigla pró-independência, marca uma inflexão nas relações, com novas tensões.

Um mês após a posse, em junho, Pequim suspendeu toda a comunicação com Taiwan, afirmando que ela não reconheceu a noção de que só há “uma só China”

A vitória de Donald Trump, com uma política fortemente anti-Pequim, acirra este distanciamento. Em dezembro, um mês antes da sua posse, ele altera uma política americana de décadas e conversa no telefone com Tsia.

Nos anos seguintes, os EUA aprovam vendas de armas bilionárias para Taiwan.

Em 2019, o presidente chinês, Xi Jinping, atualizou sua política para Taiwan, com uma ênfase na unificação em vez da cooperação bilateral.

Empossado em 2021, o governo de Joe Biden também mantém a política de tensão com Pequim e aproximação com Taiwan, já tendo feito cinco vendas de armas em 2022.

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