Doméstica foi impedida de usar o banheiro no Rio Grande do Sul
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Doméstica foi impedida de usar o banheiro no Rio Grande do Sul

A diarista Fernanda Portela diz ter sido vítima de discriminação enquanto trabalhava em uma residência em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Na última semana, ela recorreu às redes sociais para relatar que a agora ex-patroa a impediu de usar o banheiro da casa durante o horário de expediente.

Ao iG , ela contou em detalhes a experiência, após divulgar um vídeo onde, muito emocionada, narrava a situação de constrangimento. . 

"Eu estava dentro do banheiro que sempre uso, quando ouvi o barulho de uma idosa que mora lá. Saí e deixei ela entrar, dando prioridade, né, uma senhora de idade. Percebi que ela foi para o banho e comentei com a minha patroa. Só quis comentar, na verdade, não queria pedir uma permissão. Disse que estava apertada e ela me perguntou: 'Você vai fazer o 1 ou o 2?'. Respondi que o 2. Ela falou: 'Se fosse o 1, eu até deixava você fazer no meu banheiro. Mas o 2 eu não deixo'", conta.

A pergunta chocou Fernanda, que prontamente arrumou suas coisas e avisou que estava deixando o local.

"O marido dela estava em casa, esperei ele chegar para ouvir o que estava acontecendo, e disse para a minha patroa que ela nunca mais iria falar aquele tipo de coisa para mim, porque não é aceitável. Ela foi extremamente arrogante. Falou que se eu não tivesse gostando, poderia ir embora, que ela podia falar o que quisesse, afinal estava na casa dela. O marido interferiu, disse que ela estava errada, que não podia falar essas coisas, mas ela não abaixou a guarda", lembra.

"No dia seguinte, eu avisei para o marido dela que não ia voltar. Eu falei para ele acertar comigo a semana, e ele pediu desculpas, falou para eu esfriar a cabeça. Mandei um áudio explicando direitinho o que aconteceu para não ficar o 'diz-que-me-disse', e expliquei por que não voltaria."

Segundo ela, o ex-patrão tentou colocar panos quentes na situação, mas Fernanda preferiu não retornar à casa. Pouco tempo depois, foi a ex-patroa que entrou em contato.

"Ele quis dizer que eu sabia que ela falava umas coisas erradas. Como se fosse 'ah, fala coisas que não pode e depois se arrepende'. Mas ela não se arrepende. Não tinha como eu voltar, não tem como. Só ele me pediu desculpas, e no outro dia ela me mandou mensagem dizendo que ouviu a mensagem que eu mandei para o marido dela, e que não queria mais que eu fosse trabalhar lá. E me bloqueou. Ela não se arrepende, é o que ela realmente acredita. Ela não pensou se errou, acredita mesmo que está certa."

A diarista conta que não foi a primeira vez que a mulher a tratou com arrongância ou fez comentários desagradáveis, mas por precisar do emprego, ela preferia evitar o embate.

"Ela tem várias atitudes que eu não concordo, mas fui ficando lá. Eu sou bem tranquila, vou levando, mas sempre que chegava em casa comentava do que me incomodava. Ela fala coisas inaceitáveis. Como é uma relação de todos os dias, imagina se toda vez que eu ouvir uma coisa de que não gosto, confrontar. Só que isso foi a gota d'água. Não tem como a relação continuar, é inaceitável."

O vídeo ganhou destaque ao ser compartilhado por Verônica Oliveira, influencer e criadora de conteúdo que trabalhou como faxineira e hoje defende o direito das trabalhadoras domésticas no país. Fernanda disse que a gravação foi uma tentativa de questionar, de forma pública, tais atitudes.

"Gravei o vídeo para ser ouvida. É inacreditável, é como se a gente tivesse regredindo. Essa coisa de não poder usar o banheiro do patrão é muito antigo. É inacreditável, inaceitável. Eu quis chamar atenção. O que está acontecendo? Isso é normal? Criei um pouco de coragem, estava bem emocionada. Me abalou, mas pensei: vou fazer. E eu acho que fica aí a dica, uma reflexão, se isso é normal, se estamos regredindo", afirma ela, que reflete sobre a relação entre patroas e domésticas no Brasil, muitas vezes permeada pelo preconceito e pela discriminação.

"É uma profissão tão importante. Estamos ali nas casas, todos os dias. Por que não nos tratam normalmente?", diz ela, que preferiu não registrar nenhum tipo de ocorrência. 

"Parando para pensar, as relações entre babás, faxineiras, domésticas, sempre dão errado quando a gente fala não. 'Não quero fazer', 'não aceito'. Pode ter certeza que ali nunca mais será o mesmo. É como se a gente tivesse que aceitar tudo e qualquer coisa. As patroas acham que se a gente tá fazendo esse tipo de trabalho, temos que aceitar o que for preciso. E não é assim. Todo mundo precisa trabalhar".

Apesar de trabalhar diariamente na casa, Fernanda não tinha contrato ou vínculo empregatício. Agora, ela conta com apenas com um emprego de meio período enquanto busca outras oportunidades. "Estou correndo atrás", conta, esperançosa.

O que diz a patroa

O iG entrou em contato com a ex-patroa de Fernanda, que negou ter proibido a diarista de usar o sanitário. "O que eu disse foi que não poderia usar porque meu esposo estava usando. Até imaginei que ela soubesse que ele estava lá", rebateu.

"O meu erro foi perguntar o que ela queria fazer, até pra saber o tamanho da urgência. E ainda falei: 'não vou te deixar fazer nas calças'. Na hora vi que ela não gostou, porque me falou que isso não se pergunta - e realmente não se pergunta -, não tenho este costume e nem quero ter, só queria saber se dava para esperar ou não. Jamais imaginaria que tomaria essa proporção", completou. 

Ela acusa Fernanda de ter utilizado "palavras de baixo calão", e diz que ela tem "problemas de relacionamento" com outros ex-patrões. Ela abriu um boletim de ocorrência, e promete acionar a diarista na Justiça pelo que classificou como "calúnia". 

Análise dos especialistas

O advogado trabalhista e sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas, Camilo Onoda Caldas, avalia que a restrição é indevida, e pode resultar até mesmo em um processo judicial por parte da funcionária.

"Esse tipo de restrição é absolutamente indevida e humilhante de modo que isso pode até resultar eventualmente num processo judicial. Devemos notar que esse tipo de conduta não costuma ser um ato isolado, ou seja, empregadores que tratam seus empregados domésticos como uma sub espécie de trabalhador acabam praticando não só esse tipo de abuso, mas uma série de outros", afirma.

Membro da Comissão de Advocacia Trabalhista da OAB-SP, Alessandra Souza Menezes, afirma que "a contratante investiu contra a trabalhadora causando constrangimento desnecessário".

"Caso a trabalhadora queira, pode ajuizar uma ação de indenização em face dessa contratante. Muito embora não se trate de uma relação de emprego, esse tipo de ação é ajuizada perante a Justiça do Trabalho, fórum competente para dirimir questões entre empregado e empregador, além de outras relações de trabalho, como é o caso da diarista e a dona da residência."

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** Filha da periferia que nasceu para contar histórias. Denise Bonfim é jornalista e apaixonada por futebol. No iG, escreve sobre saúde, política e cotidiano.

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