João Pedro foi morto a tiros durante operação policial, em maio de 2020
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João Pedro foi morto a tiros durante operação policial, em maio de 2020

Há um ano, Rafaela Matos e Neilton da Cruz viram suas vidas mudarem com a morte do filho, João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, dentro de casa . O menino, que brincava na companhia de primos e amigos, foi atingido por um tiro de fuzil durante uma operação conjunta das polícias Federal e Civil no Complexo do Salgueiro , em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, em 18 de maio de 2020. A casa, onde tudo aconteceu, hoje é mantida vazia e conserva as marcas — feitas por mais de 70 disparos . Até hoje a família espera por respostas.

— Tem sido bem difícil. À medida que o tempo vai passando, a gente acha que vai ter um alívio, mas a dor só aumenta e a angústia aumenta cada vez mais nessa busca por justiça, essa falta de resposta do Estado, diante desse crime brutal — conta Rafaela. — É angustiante porque, às vezes, você quer ficar quietinha no seu canto, quer viver o momento, mas tem que estar nessa luta por justiça. Você acaba tendo que transformar o seu luto em luta.

A família tem recebido, desde então, apoio apenas da Defensoria Pública e de psicólogos que se colocaram à disposição voluntariamente. Em dias como o de hoje, em que manifestações pelo caso ocorreram em diferentes cidades, Rafaela conta que esse tipo de apoio é um alento para saber que não estão sozinhos. Parentes e amigos do menino estiveram em um ato realizado em São Gonçalo . Outras duas manifestações ocorrem no município.

— Eu, enquanto mãe, me sinto bem acolhida porque em alguns momentos você vê realmente a seriedade das pessoas em sentir a sua dor. E essa questão de deixar viva a memória do meu filho traz um pouco de acalento no meu coração.

A data foi lembrada nesta manhã também num ato da ONG Rio de Paz em parceria com a Change.org, plataforma de petições on-line, com uma manifestação na Lagoa Rodrigo de Freitas , Zona Sul do Rio. "Um ano sem respostas para um crime praticado pelo Estado. João Pedro, 14 anos" estava escrito na faixa de dez metros estendida.

Na tarde desta segunda-feira, dia 17, a ONG protestou na casa da família onde aconteceu o crime. Em frente ao local, foi estendida uma faixa com a frase "Aqui foi assassinado um inocente. João, Pedro, 14 anos" . Uma foto do menino foi exibida no interior do imóvel. A família continua morando na comunidade. Rafael conta que desde a morte do filho não esteve mais na casa e nem se aproxima do antigo endereço:

Você viu?

— Eu nunca mais voltei nem no imóvel nem pelas redondezas onde aconteceu. Eu continuo morando no mesmo lugar, mas eu não voltei lá, eu não tenho o desejo de voltar. São as lembranças mesmo, saber que ali foi o acontecimento que marcou a minha vida. O acontecimento que destruíu a minha família, de um certo ponto — diz.

Após a reprodução simulada, em outubro do ano passado , o MP enviou as armas apreendidas ao longo do inquérito — tanto a que os policiais portavam quanto às que eles afirmaram terem encontrado no local do crime — para a Polícia Civil de São Paulo para que fosse feita uma contraprova dos exames de balística. A pedido da Defensoria Pública, que representa a família de João Pedro, a promotoria pediu, ainda em 2020, que fossem repetidos os testes com o projétil de fuzil calibre 556 encontrado no corpo do menino. Logo depois do crime, os exames feitos pela Polícia Civil do Rio deram resultado inconclusivo — ou seja, não foi possível concluir se o tiro partiu da arma dos policiais. Na nova perícia, feita em São Paulo, o resultado foi o mesmo.

A Polícia Civil, em nota, afirma que aguarda documentos para a conclusão do procedimento:

"A Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) do Rio de Janeiro esclarece que a reprodução simulada do caso foi realizada de forma conjunta entre peritos da instituição e do Ministério Público (MP). Cada equipe ficou encarregada de elaborar um laudo específico. A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSG) aguarda o resultado do exame realizado pelo MP para anexar ao inquérito. Além disso, a Defensoria Pública e o Ministério Público Estadual solicitaram à Polícia Civil de São Paulo uma contraperícia de balística nas armas apreendidas durante a ação. A Polícia Civil do Rio de Janeiro também aguarda este último laudo para a conclusão do procedimento policial."

Histórico de casos

Desde 2007, o Rio de Paz contabiliza casos de mortes de crianças e adolescentes baleadas no estado do Rio. Até agora foram 82 crianças e adolescentes vítimas de armas de fogo , a maioria por balas perdidas. O caso de João Pedro é o 71º. Depois dele, 11 crianças já foram mortas a tiros, das quais quatro apenas este ano.

Na Change.org, plataforma de petições online, há um abaixo-assinado que pede por justiça para o menino. No ano passado, quando o pedido foi divulgado, a atriz americana Viola Davis divulgou a petição em sua conta no Twitter ao lado da hashtag #BlackLivesMatter ("Vidas Negras Importam", em tradução do inglês). No momento, mais de 3 milhões de pessoas assinaram o pedido.

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