Matheus Pichonelli

Zambelli, Glauber e a falsa simetria da Câmara de Hugo Motta

Parlamentares não fizeram justiça ao salvar colegas. Glauber foi julgado por um ato menor. Zambelli colocou a democracia (e uma vida) em risco

O deputado Glauber Braga
Foto: PT na Câmara
O deputado Glauber Braga

Carla Zambelli (PL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ) escaparam da punição máxima e mantiveram o mandato após a sessão desta quarta-feira (10) da Câmara dos Deputados.

Parece uma decisão salomônica, em que pontas ideológicas da mesma ferradura recebem sobrevida em nome da convivência democrática. Não é bem assim.

Glauber foi levado à cova dos leões pelos próprios pares depois de arrastar para fora dos corredores do Congresso um militante do MBL e trocar empurrões com o colega Kim Kataguiri (União-SP) em abril de 2024. 

Glauber alega que o militante, identificado como Gabriel Costanaro, havia ofendido uma pessoa e xingado a mãe dele. Eles iniciaram um bate-boca que terminou com chutes e empurrões. 

Como estava no prédio do Legislativo, o deputado foi denunciado por quebra de decoro. Estava com o alvo na testa desde então, mas conseguiu escapar da cassação graças a uma articulação de seu partido, o PSOL, com integrantes do centrão e até da extrema-direita.

Até mesmo o insuspeito Zé Trovão, um dos mais radicais bolsonaristas da Casa, fez as vezes de Voltaire e disse no plenário não concordar com uma palavra do que o adversário dizia, mas que lutaria a vida toda para que ele, eleito pelo voto popular, tivesse o direito de se manifestar. Puro jogo de cena de quem sabe que pode ser o próximo a passar pelo mesmo crivo amanhã. A boa vontade cobrará o preço, mas é do jogo.

No fim, os deputados toparam trocar a punição por uma suspensão de seis meses. Foi quase uma advertência de colégio: não vamos te expulsar, mas evite bater no amiguinho dentro do Congresso na próxima. Glauber agradeceu.

Horas depois foi a vez de Zambelli receber dos colegas o perdão que não ganhou da Justiça. A deputada havia sido condenada em duas ações penais no Supremo Tribunal Federal, que determinou a perda do cargo como uma das punições por  coordenar ataques ao sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça com a ajuda do hacker Walter Delgatti Netto.

A ideia era desacreditar a Justiça e incitar a violência contra magistrados. Fez isso mandando Delgatti publicar um mandado de prisão contra Alexandre de Moraes assinado por ele mesmo.

A pegadinha tinha um recado claro: mostrar a vulnerabilidade do sistema no momento em que a turma dela dizia que era possível fraudar o resultado das urnas eletrônicas. 

Zambelli foi condenada a dez anos de prisão e só não está em cana porque fugiu para a Itália, onde aguarda o fim do processo de extradição. 

Ela também foi condenada a mais cinco anos e três meses de detenção por perseguir armada um eleitor de Lula (PT) em São Paulo na véspera do segundo turno de 2022.

Zambelli e Glauber se safaram no processo de cassação, mas não são lados da mesma moeda.

Glauber não colocou a democracia, o erário nem a vida de ninguém em perigo ao reagir contra as provocações de um ativista do MBL que entrou na Câmara justamente para tirar pessoas como ele do sério. Já Zambelli é uma das mais perigosas figuras que já pisaram no Congresso.

Não dá para dizer que a Câmara, sob o comando de Hugo Motta (Republicanos-PB), fez justiça ao preservar o mandato dos rivais. O nome disso é falsa simetria. Eles não usaram as mesmas armas (no caso, literal), não representam o mesmo risco e não deveriam ser julgados com a mesma régua da benevolência. 

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG