Matheus Pichonelli

Pesquisa AtlasIntel turbina Lula na véspera de encontro com Trump

Presidente cutucou a onça com vara curta ao condenar ataques a embarcações e defendeu desdolarização. São os EUA que precisam recuar

O presidente Lula em discurso na ONU
Foto: Reprodução/ONU
O presidente Lula em discurso na ONU


Para quem espera um encontro “cordial”, como prevaleceu até aqui nas conversas iniciais entre representantes do Brasil e dos Estados Unidos, Lula (PT) parece ter sido imprudente ao provocar Donald Trump às vésperas de um possível encontro na Malásia, neste domingo.

O presidente brasileiro não poupou o interlocutor, ao longo da semana, ao se posicionar sobre os ataques promovidos por Washington na costa da América do Sul, em uma suposta guerra às guerras com pinceladas de guerra ao “terror”, e defender a diminuição da dependência do dólar na economia global. Este é um projeto de médio prazo esboçado na última reunião do Brics, do qual a China é a maior interessada.

Trump acusa o grupo de tramar contra os interesses de Washington, e desde então colocou todos os bodes possíveis nas salas das relações comerciais de seus integrantes para forçar um recuo tático –  que não veio nem aqui nem na China. Agora o republicano precisa ir a campo pessoalmente para negociar o próprio recuo. (Depois de Lula, ele se encontra, na próxima semana, com o líder chinês Xi Jinping). 

Lula não declarou à toa que vai, sim, buscar um quarto mandato em 2026. Fez isso diante da imprensa internacional. Falava mais para o público externo do que interno, que nem cogitava que o petista não cogitasse concorrer. 

Era um jeito de Lula dizer a Trump que, goste ou não, é com ele que os Estados Unidos terão de negociar pelos próximos cinco anos. Trump pode nem se reeleger em 2028. E Lula seguirá presidente, se nada mudar nos ventos eleitorais até o ano que vem.

O petista chega à reunião com um trunfo. Na antevéspera do encontro, a avaliação positiva (ótimo/bom) do presidente brasileiro atingiu 51,2% em uma pesquisa AtlasIntel divugada nesta sexta (24) – um latifúndio em tempos de polarização, em que metade do país prefere o diabo ao presidente eleito e vice-versa.

Trump desliza nos 40% de popularidade nas últimas pesquisas internas. E chega à Malásia machucado pelos protestos que lotaram cidades norte-americanas em meio à paralisação dos serviços federais (shutdown) e a um grande “não” dito pela multidão para os delírios autocráticos do presidente que quer governar o mundo e mandar a Guarda Nacional para combater o crime em cidades administradas por democratas.

Lula está dizendo, em outras palavras, entender que Trump preferia negociar com Jair Bolsonaro (PL) e os entreguistas da família que batem continência para a bandeira dos Estados Unidos e depois pedem para ser atacados – como fez o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ao sugerir ao secretário da Guerra, Pete Hegseth, que envie bombardeios para a costa brasileira para combater o tráfico, um crime confesso de ódio ao país que durante anos foi (mal) disfarçado como patriotismo rasteiro.

O discurso da defesa da soberania nacional reposicionou Lula no jogo em um momento em que as rodas da economia se movimentam e até o Congresso calcula quanto vale o boicote a Lula em termos eleitorais e estratégicos. Com o governo sem caixa, como querem os bolsonaristas, o centrão fica sem emendas. Aí já é muito.

Tudo isso posiciona Lula em situação vantajosa para o encontro com Trump. Sem garantia, claro, de que o republicano vai recuar – mesmo sabendo que o tarifaço foi um balaço na própria testa.

Para o público interno Lula poderá dizer que tentou. Para Trump, poderá dizer que ele só tem a perder se levar a guerra comercial até o fim.

Esse jogo de forças não estava em cena há poucos meses. Mas o vento virou.


*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG