
Adeptos da teoria da conspiração ganharam razão extra, neste fim de semana, para acreditar que Donald Trump, para fugir dos atoleiros em que os Estados Unidos se meteram no Oriente Médio, em breve vão criar um novo conflito, se não dois, ou três, para distrair parte da população que no sábado foi às ruas em protesto contra as medidas autoritárias do republicano.
As manifestações “No King” (ou “Não temos um Rei”, numa tradução livre) têm como alvo a paralisação de serviços públicos e o envio da Guarda Nacional para supostamente combater a violência em cidades curiosamente administradas por democratas.
Trump tentou mostrar que não está nem um pouco preocupado com os atos, que ele acusa de serem organizados por críticos antipatrióticos. Ele postou nas redes até um vídeo em que sobrevoa os protestos em um avião de onde saem excrementos sobre o povo.
Sim, é esse o nível.
Mas, enquanto se mostra incapaz de resolver tanto a paralisia dos serviços quanto a violência em seu país sem abrir mão de mais violência, Trump de fato veste a capa e a espada e finge ser rei do planeta ao declarar guerra contra países da América do Sul.
Na Venezuela ela já está em curso. O chefe da Casa Branca não só admitiu que deu ordens para a CIA promover ações em território venezuelano como instalou bases militares no mar do Caribe para atuar como a polícia da região. Desde então, seis embarcações foram atacadas a tiros por soldados norte-americanos. A última, anunciada neste domingo (19), deixou três pessoas mortas.
A justificativa oficial: todos eram traficantes.
Não se sabe a versão deles, pois estão todos mortos. As drogas, assim como o arsenal de armas químicas de Saddam Hussein, ninguém sabe, ninguém viu.
Chamou a atenção, no anúncio da ofensiva, a fala do secretário da Guerra, Pete Hegseth, segundo quem a ação visa combater a "Al Qaeda do Hemisfério Ocidental".
Para bom entendedor, meia referência ao grupo terrorista basta. Em nome da guerra ao terror, os Estados Unidos lançaram bombas pelo Oriente Médio e destruíram tudo, menos a ameaça terrorista.
Dessa vez o alvo está em Caracas. E também em Bogotá, onde Trump mirou as armas para acusar o presidente colombiano, Gustavo Petro, de liderar o tráfico de drogas da região.
Petro, segundo a postagem, incentiva “a produção massiva de drogas, em campos grandes e pequenos, em toda a Colômbia”. “Esse se tornou, de longe, o principal negócio da Colômbia, e Petro não faz nada para impedi-lo, apesar dos pagamentos e subsídios em larga escala dos EUA, que nada mais são do que uma fraude de longo prazo", escreveu Trump.
A acusação não tinha provas e podia ser facilmente desmentida, como fez o presidente da Colômbia, que foi às redes mostrar números de que o fluxo de drogas, na verdade, diminuiu em sua gestão.
Trump fingiu que não ouviu, como finge não ouvir que a relação comercial “desigual” com o Brasil é, na verdade, superavitária para os norte-americanos.
Petro respondeu também com uma sugestão: Trump deveria ler “Cem anos de solidão”, do conterrâneo Gabriel García Márquez, para entender melhor a própria solidão.
Doeria, se Trump tivesse entendido.
O bate-boca começou após o líder colombiano reclamar da invasão de águas do país, pelos Estados Unidos, em um ataque a outra embarcação.
É nessas águas que Trump já coloca uma perna e meia de sua próxima empreitada bélica.
A desculpa é que busca proteger os conterrâneos e livrá-los das drogas produzidas e enviadas pelos países malvados do Sul.
É mentira. Trump quer petróleo, minério, e governos alinhados que permitam aos Estados Unidos fazer o que bem quiserem no quintal alheio.
Tudo para posar de xerife do mundo e driblar ao menos parte da opinião pública que não aceita os desmandos de quem confunde a cadeira da Presidência com o trono de rei.
*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG