Matheus Pichonelli

Maior desafio da defesa foi provar que Bolsonaro não seria pueril

Ao sacar do coldre a expressão, o defensor pedia aos ministros da Primeira Turma do Supremo para não duvidar da inteligência do réu

Maior desafio da defesa de Bolsonaro foi provar que o ex-presidente não seria ''pueril''
Foto: Rosinei Coutinho/STF
Maior desafio da defesa de Bolsonaro foi provar que o ex-presidente não seria ''pueril''

Um dos problemas de passar anos assistindo aos filmes de Hollywood é sempre, diante de um grande acontecimento, esperar mais emoção, embate, conflito e diálogos cortantes do que a vida real geralmente proporciona.

Visto pela TV, um julgamento sem as lentes de Sidney Lumet ou Robert Mulligan parece tão empolgante quanto uma partida de bocha.

Mas não evita desfechos imaginários na cabeça do espectador.

Sou um deles.

Nesta quarta-feira (3), o momento de maior comoção da  audiência dos réus da trama golpista no STF foi quando  o advogado Celso Vilardi se esforçou para dizer que as pegadas deixadas pelo cliente, Jair Bolsonaro (PL), não coincidiam com o número do calçado do ex-presidente.

A certa altura ele disse que chegava a ser “pueril imaginar que Bolsonaro foi aos EUA, voltou e deixou uma minuta (golpista) na mesa” .

Pueril, segundo o dicionário, é sinônimo de tolice e imaturidade. Ao sacar do coldre a expressão, o defensor pedia aos ministros da Primeira Turma do Supremo para não duvidar da inteligência do réu.

Naquele momento faltou sensibilidade cinematográfica aos magistrados.
Alguém, afinal, poderia levantar a mão e questionar (aqui o filme começa):

“Doutor, esse mesmo réu que não seria tão pueril é o mesmo que disse em 2014 que as pessoas mais pobres são estimuladas a terem mais filhos para ganhar bolsa de 70 reais?”.

Vilardi consentiria. “ Sim, o mesmo”.

O diálogo a seguir seria mais ou menos assim:

“É também a mesma pessoa que em 2020 dizia que a questão do coronavírus estava superdimensionada enquanto meio mundo já morria em diversos países?”

“Sim, ele mesmo”.

“É também o cara que citou o histórico de atleta para dizer que, se fosse contaminado pelo vírus, seria acometido apenas por uma gripezinha?”

“É…sim, meritíssimo”.

“E que falava aos quatro cantos que tinha medo de tomar vacina e virar um jacaré?”

“O próprio”.

“E que, diante da pilha de mortos nada pueris, dizia que era preciso aceitar o fim como ‘homens’ porque todos nós iremos morrer um dia”.

“É, parece que sim”.

“E que em algum momento da crise foi flagrado oferecendo uma caixa de cloroquina para uma ema no Palácio do Alvorada?”

“Hum…hum”.

“Ok. Sem mais perguntas, doutor. Pode continuar”.

*Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal iG