Como a religião molda o poder nas maiores nações do mundo

EUA, Alemanha, China, Japão e Rússia apresentam diferentes modelos de relação entre fé e Estado

A comparação dos cinco países mostra que a religião exerce influência em diferentes níveis
Foto: Pixabay/Myriam Zilles
A comparação dos cinco países mostra que a religião exerce influência em diferentes níveis

As maiores potências mundiais apresentam cenários distintos quanto ao peso da religião na organização da sociedade e nas decisões politicas.  Nos Estados Unidos, Alemanha, China e Japão, o vínculo entre e Estado segue caminhos diferentes, marcados por tradições culturais, arranjos constitucionais e pressões internas.

A Rússia, embora abaixo das quatro primeiras em termos econômicos, foi incluída neste levantamento devido ao protagonismo recente em conflitos internacionais e à influência da Igreja Ortodoxa em seu governo.

Para o professor Marcelo Cerdan, doutor em História pela Unesp e analista político, a comparação entre esses países mostra que “a religião pode tanto reforçar a legitimidade de regimes quanto ser mantida sob rígido controle estatal, dependendo do contexto histórico e do modelo político de cada nação” .

O jornalista e analista político Daniel César, formado em gestão pública, acrescenta que “o papel religioso não deve ser visto apenas como espiritual, mas como um recurso de poder que atravessa estruturas eleitorais, sociais e diplomáticas” .

Estados Unidos: fé e mobilização eleitoral

Bandeira dos Estados Unidos
Foto: Foto: Pixabay
Bandeira dos Estados Unidos


Nos Estados Unidos, o cristianismo predomina, com mais de 65% da população se declarando cristã, entre protestantes e católicos .

O papel dos evangélicos é central na política, sobretudo em pautas ligadas ao aborto, aos direitos LGBTQIA+ e à defesa da família tradicional. Esse segmento é um dos pilares de sustentação do Partido Republicano.

Grupos como Focus on the Family e Turning Point USA exercem forte mobilização social com base em valores religiosos. Ao mesmo tempo, há debate constante sobre a separação entre Igreja e Estado

Pesquisas indicam que a maioria dos americanos defende que líderes religiosos não façam endossos partidários, embora parte significativa do eleitorado queira ver princípios cristãos refletidos na legislação.

Alemanha: presença institucional e secularização crescente

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O Parlamento na Alemanha


Na Alemanha, cerca de metade da população se identifica como cristã, dividida entre católicos (25%) e protestantes (23%). A outra metade, em grande parte, se declara sem religião .

Apesar da queda no engajamento religioso, as igrejas mantêm forte presença institucional.

Elas estão representadas em conselhos de mídia pública, como ARD, ZDF e Deutsche Welle, e administram hospitais, escolas e creches.

O modelo alemão combina neutralidade estatal e reconhecimento oficial das principais igrejas, que recebem recursos por meio de impostos religiosos.

Esse arranjo garante às instituições religiosas um papel ativo nos serviços sociais, mesmo diante do afastamento cultural crescente em relação à prática da fé.

China: controle estatal e sinização das religiões

Foto: Imagem gerada por IA
Bandeira da China


Na China, a maioria da população é irreligiosa ou segue tradições como budismo, taoismo e confucionismo .

O governo reconhece apenas cinco religiões oficiais e exige que todas as organizações religiosas se alinhem ao Partido Comunista.

A política de “sinização da religião” busca adaptar crenças aos valores socialistas e submeter práticas religiosas à supervisão do Estado.

Nesse contexto, a religião é usada como recurso cultural e simbólico, mas sem autonomia para atuar como força política independente. O controle é rígido e visa garantir estabilidade social sob o comando do partido.

Japão: tradição cultural e barreiras constitucionais

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Tóquio, capital do Japão


No Japão, o xintoísmo e o budismo são predominantes e muitas vezes praticados de forma combinada. A Constituição, promulgada após a Segunda Guerra Mundial , determina a separação entre Estado e religião, impedindo privilégios institucionais para organizações religiosas.

A fé se manifesta principalmente em tradições culturais, ritos familiares e identidade nacional.

A religião exerce pouca interferência formal nas decisões políticas, embora grupos específicos, como o partido Kōmeitō, de origem budista, e a organização Nippon Kaigi, ligada ao xintoísmo conservador, tenham influência indireta por meio de alianças partidárias e pautas nacionalistas.

Rússia: Igreja Ortodoxa como pilar estatal

Foto: FreePik
Soldado russo olhando para a bandeira


Na Rússia, a Igreja Ortodoxa ocupa posição central, com cerca de 62% a 70% da população declarando-se ortodoxa. A relação entre Estado e Igreja foi reforçada sob o governo de Vladimir Putin e a liderança do patriarca Kirill.

O conceito de symphonia, que prevê harmonia entre Igreja e Estado, tem sido resgatado para legitimar politicamente decisões do Kremlin.

A Igreja apoia narrativas como a do “mundo russo”, usada para justificar ações militares na Ucrânia. Também participa de eventos públicos, abençoa tropas e armamentos e respalda emendas constitucionais que reforçam valores tradicionais.

Ao mesmo tempo, alguns padres que criticaram o apoio oficial à guerra foram punidos, revelando dissidências internas.

Apesar disso, a Igreja continua a desempenhar papel fundamental na sustentação ideológica do governo, reforçando valores conservadores e a identidade nacional russa.


Comparação entre modelos

A comparação dos cinco países mostra que a religião exerce influência em diferentes níveis:

  • nos Estados Unidos, mobiliza eleitores e molda pautas políticas;
  • na Alemanha, mantém presença institucional em serviços sociais;
  • na China, é rigidamente controlada pelo Estado;
  • no Japão, manifesta-se culturalmente, com influência indireta de grupos religiosos;
  • e na Rússia, está profundamente ligada ao poder estatal.

Como observa Marcelo Cerdan, “cada país articula religião e política de modo particular, ora instrumentalizando a fé para legitimar regimes, ora limitando seu alcance para preservar a autoridade do Estado” .

Daniel César complementa que “a religião, mesmo quando controlada ou reduzida a símbolos culturais, continua a ser um fator estratégico na vida política e social das grandes potências” .