O segundo ano do governo Lula 3 termina em meio a uma montanha-russa de desafios políticos, sociais e principalmente financeiros. Pressionado pela incerteza do mercado, o petista encerra 2024 com o clima de forte instabilidade na economia, catalisada pela dificuldade de gestão fiscal e a escalada inflacionária.
Além disso, a articulação frágil com o Congresso fez com que o Executivo se deparasse com barreiras ainda mais robustas para emplacar suas pautas de campanha, resultando no distanciamento entre o mandatário e o seu eleitorado tradicional.
Já no front internacional, Lula tentou fazer do Brasil um protagonista pacificador em um cenário inflamado, sobretudo, pelos conflitos no Oriente Médio, pelas eleições controversas e pelo colapso climático.
Confira, a seguir, a retrospectiva com os principais pontos do governo Lula no ano de 2024.
Economia no centro do debate
A agenda econômica tomou as rédeas das discussões ao longo de 2024 e se tornou o “calcanhar de Aquiles” de Lula, emulada pela troca de farpas com o Banco Central, a desconfiança do mercado em relação à responsabilidade fiscal e a falta de fluidez no relacionamento com o Congresso.
O segundo ano do terceiro mandato do petista termina com índices que deveriam inspirar otimismo: um PIB estimado em 3,5%, mais que o dobro do previsto, uma taxa recorde de ocupação e a saída de 8,7 milhões da pobreza em 12 meses.
Entretanto, a percepção popular é de desacordo: 69% dos brasileiros percebem aumentos expressivos de preços no último semestre, e 73% culpam a política econômica do governo, segundo pesquisa do Depecon em parceria com a Ipsos. A insatisfação é particularmente alta no Nordeste, principal reduto eleitoral de Lula, onde 73% relatam a alta nos preços.
O pacote de contenção de gastos, apontado como um dos motivos para a alta histórica no dólar, que bateu R$ 6,30 em seu momento mais crítico , também gerou desconforto entre gregos e troianos.
Se, por um lado, Lula cumpriu a promessa de aliviar a carga tributária das camadas mais baixas ao propor a isenção do Imposto de Renda para os que ganham até R$ 5 mil, por outro, hesitou ao propor medidas como a restrição do abono salarial e o bloqueio do crescimento do salário mínimo.
Outros tópicos que movimentaram a economia foram a aprovação da Reforma Tributária, a sanção do programa Mover, que inclui a polêmica "taxa das blusinhas", a decolada das bets e o debate sobre a escala 6x1.
Política interna de recuos
Meio ambiente
A agenda ambiental teve avanços e recuos importantes. O desmatamento na Amazônia caiu 30,6% entre agosto de 2023 e julho de 2024, atingindo seu menor nível em 9 anos, de acordo com um levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A mesma pesquisa também apontou a redução de 25,7% no desmatamento do Cerrado. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, atribuiu os resultados aos esforços conjuntos do governo.
Ainda assim, a gestão esteve no meio de uma encruzilhada com as queimadas que ocorreram, sobretudo, em setembro. A maior seca da história do país contribuiu para o avanço do fogo e o crescimento das taxas de desmatamento na Amazônia. Com isso, a a avaliação negativa do governo Lula no contexto ambiental saltou de 33% para 44% dos brasileiros, segundo pesquisa feita pelo instituto Ipec.
Saúde
Impulsionado pelo aumento das chuvas no início do ano, o surto da dengue foi um dos tópicos mais rechaçados da gestão Lula em 2024. Só neste ano, o Brasil registrou 6,5 milhões de casos prováveis de dengue até o mês de outubro, segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde. O governo chegou a comprar vacinas, mas a medida acabou ofuscada pela falta de imunizantes para todo o país no momento mais crítico da doença.
Além disso, o Ministério da Saúde foi um dos mais afetados pelos cortes feitos pelo governo para cumprir com a meta fiscal de 2024. Ao todo, o facão tirou R$ 4,4 bilhões da pasta na expectativa de equilibrar as contas públicas.
A vacinação também foi tema destaque: por um lado, o governo conseguiu retirar o Brasil a da lista das 20 nações com o menor número de crianças imunizadas e se aproximar da meta de vacinação contra o HPV entre as mulheres. Por outro, o número de imunizantes vencidos cresceu 22% ao longo da gestão, acarretando num prejuízo de R$ 1,7 bilhão, o maior desde 2018, segundo reportagem do GLOBO baseada em dados obtidos por meio da Lei de Acesso de Informação (LAI).
Educação
Apontada pela pesquisa Ipec como a única área com saldo positivo (38%) na avaliação do governo Lula até o meio do ano, a Educação brasileira em 2024 foi marcada pela implementação do programa Pé de Meia, criado para oferecer incentivos financeiros e educacionais a estudantes do ensino médio público cadastrados no CadÚnico.
Além disso, ocorreu a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais do Novo Ensino Médio (DCNEMs). A medida prevê mudanças na oferta curricular do ensino médio, que devem ser implementadas obrigatoriamente até o início do ano letivo de 2026. De forma resumida, a resolução determina o aumento da carga horária mínima de 2,4 mil para 3 mil horas, sendo 1 mil horas para cada ano desta etapa de ensino, e a divisão entre disciplinas obrigatórias e disciplinas opcionais.
Equipe ministerial
A Secretaria de Comunicação do governo Lula foi um dos principais alvos das críticas internas e externas ao governo. Recentemente, o próprio petista admitiu a dificuldade de transmitir suas conquistas ao povo e melhorar a percepção pública de sua gestão. O mandatário já sinalizou que pretende fazer ajustes na Secom no próximo ano, para reduzir a imagem desarticulada e reforçar a conexão com sua base.
Outro momento importante para a equipe ministerial do petista foi a demissão de Silvio Almeida, que comandava a pasta dos Direitos Humanos, após denúncias de assédio sexual. Na época, o Planalto emitiu nota afirmando que o presidente achava “insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações”. Almeida foi substituído pela deputada estadual de Minas Gerais Macaé Evaristo (PT).
Calamidade no RS
O governo Lula também enfrentou uma das maiores tragédias da história do país: as enchentes no Rio Grande do Sul, que deixaram 183 mortos confirmados e mais de 470 municípios arrasados.
A gestão criou um gabinete para a reconstrução do estado e anunciou uma série de medidas econômicas para ajudar a população gaúcha, como a liberação de parcelas adicionais de seguro-desemprego, antecipação da restituição do IR e novas linhas de financiamento para empresas.
Eleições municipais
As eleições municipais coroaram o centrão como “grande vencedor” e transpareceram a Lula a tarefa de expandir suas capacidades de articulação política. O PT, partido do presidente, obteve um desempenho modesto, embora melhor do que os resultados dos últimos anos após o impeachment de Dilma Rousseff.
Plano de assassinato
A investigação da Polícia Federal sobre a suposta tentativa de golpe de Estado também foi um destaque da política nacional no último trimestre de 2024.
O pedido de anistia aos participantes dos atos golpistas ecoou cada vez mais baixo à medida que a PF remontava o quebra-cabeça de um grande plano para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder que tinha, como uma das etapas, o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Política internacional
O presidente Lula foi uma figura emblemática do cenário global em 2024, ao protagonizar acontecimentos que repercutiram em todo o mundo. Já no começo do ano, o petista gerou uma ampla discussão internacional ao comparar os ataques de Israel em Gaza ao Holocausto.
Ao mesmo tempo em que desencadeou uma onda de críticas ao presidente, e culminou no título de “Persona non grata” - ou seja, que não é bem-vinda - em Israel, a fala de Lula também impulsionou outros líderes mundiais a condenarem mais enfaticamente o conflito na Faixa de Gaza.
Tensões entre líderes
Lula também não se esquivou das “farpas” com os vizinhos: o petista tentou intermediar o processo eleitoral na Venezuela . Entretanto, a resistência de Nicolás Maduro e sua postura controversa em relação aos opositores amargou o relacionamento entre os dois líderes, mas não o suficiente para surtir grandes mudanças cenário político venezuelano, que segue instável.
Não foi diferente com o presidente da Argentina, Javier Milei . Dada a proximidade com Jair Bolsonaro (PL), o mandatário argentino fez diversas provocações ao petista ao longo do ano. Lula chegou a dizer que ainda não havia se reunido com o homólogo porque “ele falou muita bobagem”.
Apesar de não ter sido um confronto acalorado, Lula deixou mais claro o seu desafeto com o bilionário Elon Musk, que irá integrar o governo dos Estados Unidos no ano que vem sob a liderança de Donald Trump .
O mandatário alfinetou o bilionário durante o embate com o Supremo Tribunal Federal (STF) por descumprir decisões da justiça brasileira, afirmando que o fato de Musk ter muito dinheiro não o dá o direito de desrespeitar a soberania de um país.
G7, G20 e pacto global contra a fome
Lula marcou presença em grandes encontros internacionais, como o G7, na Itália, e o G20, que colocou o Brasil no centro do mundo. O mandatário recebeu no Rio de Janeiro os chefes de Estado das 19 maiores economias globais, mais a União Africana, União Europeia, e outros líderes de países convidados.
O evento foi marcado pelo lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, projeto encabeçado por Lula e aderido por 148 integrantes fundadores que pretende “erradicar a fome e a pobreza, reduzir desigualdades e contribuir para parcerias globais revitalizadas para o desenvolvimento sustentável” até 2030. Em seu discurso, o presidente disse que esse é o "maior legado" do grupo dos 20 para o mundo.
China e Europa
Logo após o G20, o presidente Lula se reuniu com o homólogo chinês, Xi Jinping, e os dois assinaram 37 novos acordos bilaterais. Segundo a Presidência da República, os atos assinados abrangem diversas áreas, como agricultura, comércio, infraestrutura, indústria, energia, ciência e tecnologia, sustentabilidade, esportes, saúde, educação e cultura.
O último acontecimento marcante da política internacional no ano de 2024 foi o fechamento do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, após 25 anos de negociações. Em resumo, o pacto visa reduzir ou zerar as tarifas de importação e exportação entre os dois blocos, de forma a impulsionar o comércio entre os dois continentes e fortalecer as duas regiões.
Fim de ano de Lula tem internação de emergência e aprovação estável
Apesar das instabilidades econômicas, internacionais e locais vivenciadas em 2024, Lula chega ao último mês do ano com um índice de aprovação estável, levando em consideração as pesquisas realizadas pela Quaest em um intervalo de tempo parecido:
- Em março , a aprovação de Lula foi de 51% e a desaprovação, de 46%;
- Em julho , Lula era aprovado por 54% e reprovado por 43%;
- Em outubro , a aprovação caiu para 51% dos brasileiros e a reprovação, para 45%;
- Em dezembro , 52% seguem aprovando Lula, assim como os 47% que o reprovam.
O presidente ainda encerrou o ano com um susto: foi internado às pressas em 10 de dezembro, devido a uma hemorragia intracraniana. Lula passou por dois procedimentos, um para drenar a hemorragia e outro para evitar novos sangramentos na região cerebral.
O mandatário ficou internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, recebeu alta cinco dias depois e já está em Brasília, onde pretende passar o Ano Novo.