Áudios grampeados pela Polícia Federal (PF) — nos quais o ex-ministro Milton Ribeiro afirma que foi avisado pelo presidente Jair Bolsonaro de que poderia ser alvo de busca e apreensão— reforçam a possibilidade de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no legislativo. Segundo congressistas, a comissão pode apurar não apenas as denúncias de irregularidades no Ministério da Educação (MEC), mas também uma eventual interferência de Bolsonaro no caso.
Além disso, parlamentares analisam protocolar uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), já que o áudio pode indicar suposta interferência nas investigações. Os áudios foram antecipados pela Globonews e confirmados pelo GLOBO.
"Isso confirma a nossa tese de que o presidente sempre tenta intervir nos órgãos de polícia e controle, isso fortalece nossa tese de que o governo age de maneira completamente ilegal, protegendo seus aliados, tentando acobertar desmandos de seus aliados. Como pode o presidente que indica a chefia da Polícia Federal vazar uma informação como essa?", questiona o deputado Professor Israel (PSB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação.
Deputados e senadores ouvidos pelo GLOBO consideraram grave a ligação grampeada pela Polícia Federal na qual o ex-ministro Milton Ribeiro afirma que foi avisado pelo presidente Jair Bolsonaro de que poderia ser alvo de busca e apreensão. De acordo com eles, caso seja comprovada a interferência de Jair Bolsonaro nas investigações ele deve ser responsabilizado. Em um telefonema com sua filha, Milton Ribeiro fala sobre as investigações e a suposta atuação do presidente:
"Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios né...", diz Ribeiro, segundo a transcrição e o áudio aos quais O GLOBO teve acesso..
Segundo Professor Israel, a equipe jurídica da Frente analisa a possibilidade de protocolar uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o dispositivo seja viável, o deputado submeterá a medida aos colegas da Frente, que é composta por diversos partidos inclusive da base.
Coordenador da Comissão Externa de Acompanhamento do Ministério da Educação na Câmara (Comex/MEC), o deputado Felipe Rigoni (União-ES) defende que o caso seja investigado e afirma que caso comprovado, Bolsonaro terá cometido um crime.
"Se isso aconteceu de fato, é o absurdo dos absurdos. Uma interferência direta numa investigação da Polícia Federal é crime. Isso precisa ser investigado e se comprovado, é algo muitíssimo grave. Isso fortalece ainda mais as chances de a CPI do MEC acontecer, seja no Senado ou na Câmara. É grave o investigado ser avisado da investigação pelo chefe da Polícia Federal, no caso o presidente", argumenta Rigoni.
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP), relatora da Comex/MEC, criticou a conduta do presidente e afirmou que o governo tem causado "destruição" na educação brasileira. — As denúncias de interferência nas investigações de corrupção no MEC são muito graves. Como se não bastasse a verdadeira destruição causada pelo governo na educação brasileira, agora sabemos que o presidente agiu pessoalmente para proteger um ministro corrupto. Bolsonaro, enquanto puder, não vai desistir de afrontar a democracia para salvar sua pele — critica Tabata.
Oposição no Senado quer acionar STF
Em meio ao clima de possível abertura de CPI no Senado para apurar as denúncias que atingem o MEC, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que coletou as assinaturas para instaurar a Comissão, afirmou que vai denunciar o presidente Jair Bolsonaro ao Supremo. O parlamentar pretende conseguir 31 apoios para abertura da CPI, até o momento 28 senadores já assinaram o pedido.
"Nós iremos ofertar a denúncia contra o presidente da República no Supremo Tribunal Federal por obstrução de justiça e violação de sigilo profissional. Mais do que nunca é necessário uma comissão parlamentar de inquérito para dar à Polícia Federal e ao Ministério Público a tranquilidade necessária para conduzir esse inquérito", defendeu Randolfe.
Líder da bancada feminina no Senado, Eliziane Gama (Cidadania-MA) também defendeu a instalação da CPI do MEC.
"As denúncias de suposta interferência do presidente numa investigação da PF são muito graves e precisam ser seriamente investigadas pelo STF e pelo Ministério Público Federal. Interferir numa polícia de estado, aparelhar, é algo que coloca em xeque a autonomia das instituições. E mais, pode revelar uma tentativa de obstrução judicial pelo presidente. Precisamos investigar e talvez, o caminho seja, inclusive, via Comissão Parlamentar de Inquérito."
Para o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), as gravações reforçam a necessidade e urgência da instalação da CPI. O senador afirma ainda que o suposto envolvimento de Bolsonaro no caso deveria ser suficiente para o procurador-geral da República, Augusto Aras, abrisse um inquérito sobre caso.
"É necessário que a gente tenha a urgente instalação da CPI do MEC para podermos investigar o caso. O áudio dá a entender que houve um vazamento de uma operação sigilosa da Polícia Federal, o que seria um crime gravíssimo", diz Viera, que completa: — [Acionar o STF] é um caminho possível. O natural é que a própria Procuradoria-Geral da República abrisse um inquérito, sem que fosse necessário provocá-la. Mas me parece que o tempo de Augusto Aras é outro.
Já o senador Álvaro Dias tentou acalmar os ânimos. Segundo ele, é preciso aguardar as investigações. Ele argumenta ainda que a abertura de uma CPI pode servir para motivações eleitoreiras.
"Cabe a nós do Parlamento aguardar o trabalho da Polícia Federal. A Polícia Federal fez um bom trabalho e se mostrou uma instituição independente, de Estado, não de governo. Não devemos fazer qualquer apreciação sobre caso sem saber de fato o que ocorreu, devemos aguardar. Uma CPI agora seria usada de forma eleitoral, para favorecer candidatos", ponderou Dias.
O advogado Daniel Bialski, que defende o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, reagiu nesta sexta-feira à divulgação de interceptações telefônicas, que para o Ministério Público Federal (MPF) apontariam suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Bialski classifica o episódio como "abuso de autoridade" e diz que a Justiça de primeira instância não tinha competência para autorizar a operação se o caso envolvia suspeitas sobre o presidente, que é uma autoridade com foro privilegiado.
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