Novo líder do governo no Senado não votará pautas de Bolsonaro

Carlos Portinho aposta em pautas de convergência na Casa. Próximo de Valdemar Costa Neto, presidente do PL diz que senador deu sorte ao partido

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Senador Carlos Portinho

Escolhido na semana passada como novo líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou, em entrevista ao GLOBO, não haver chance de o Congresso votar nos próximos meses projetos considerados caros ao presidente Jair Bolsonaro, como propostas que preveem regras mais brandas para posse e porte de armas e o homeschooling, que libera o ensino de crianças em casa. Segundo ele, qualquer medida da chamada “pauta de costumes” só deve ser analisada em um eventual novo governo, a exemplo das reformas administrativa e tributária.

"Num ano de eleição, e agora ainda mais perto da votação, essas pautas de costume, assim como a reforma tributária, têm uma dificuldade maior de passar. E tem até um certo receio, porque como é um ano eleitoral, elas são fadadas a alguns gestos muitas vezes demagógicos", afirmou.

Portinho, de 48 anos, assumiu o mandato em novembro de 2020, após a morte do senador Arolde de Oliveira, de quem era suplente. Oliveira foi o primeiro parlamentar a morrer de Covid-19.

E foi justamente o tema da pandemia que já opôs Portinho a Bolsonaro. No ano passado, o senador foi autor de um projeto que criava o "passaporte vacinal" no país, o que foi alvo de críticas do presidente. Segundo o novo líder do governo, porém, a divergência está superada.

"Se essa foi a minha única divergência com o presidente, está ótimo. No fundo a gente pensava igual: ele era contra o lockdown, e eu também".

O senhor foi indicado à liderança depois do cargo ficar seis meses vago. Como vê essa situação?

É um grande desafio. Eu sou movido por desafios, e esse é o do momento. Pesou o fato (para a escolha) de eu não ser candidato. Tenho tempo disponível, tenho vontade, e acho que nesse um ano e meio (de mandato) consegui mostrar que tenho capacidade de articulação com todos os lados. O governo precisava ter mais braços. Poderia de repente o líder do Congresso (senador Eduardo Gomes, do PL-TO) acumular liderança do governo no Senado? Seria um fato raro, mas a gente estaria perdendo mais dois braços. Tanto que quando assumo a liderança do governo, me licencio da liderança do partido, e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) a assume.

Ao menos quatro senadores foram sondados para o cargo e dois o declinaram. Houve algum mal estar ou atrito por causa da sua nomeação?

De forma nenhuma. Como líder do partido na época, conversei com o governo quando o nome do Marcos Rogério foi ventilado e, depois, quando o nome do Carlos Viana ganhou mais força. Sempre fiz gestos para dentro do partido, sempre falei que se jogasse os nove nomes (da bancada do PL) para o alto e pegasse um, qualquer um deles estava preparado para o cargo. Eu vim do esporte, só sei jogar em equipe.

Como é a relação do senhor com o presidente Valdemar Costa Neto?

A minha vinda para o PL foi uma iniciativa do deputado Altineu Côrtes (PL-RJ). Embora o PSD seja o partido que eu fundei, o espaço político que eu precisava para me firmar aqui no Senado sendo senador suplente foi aberto pelo PL. Era uma oportunidade que eu precisava, o resto foi consequência. O presidente Valdemar me recebeu muito bem. Ele brinca que eu dei sorte para o partido. Eu digo que sem sorte a gente não atravessa nem a rua.

O Senado é a Casa onde o Bolsonaro enfrenta mais dificuldade para aprovar seus projetos. Como o senhor planeja destravar essas pautas?

O Senado abaixa a bola e procura um debate maior a respeito de temas mais complexos. É lógico que a pauta de costume sempre é uma pauta muito sensível. Jogos (de azar) e armas, entre outros projetos que passaram na Câmara, mas que aqui o Senado tem procurado ampliar a discussão. A própria reforma tributária, que é de origem daqui e que tramita já há muitos anos, ainda tem muitos ajustes a serem feitos. Num ano de eleição, e agora ainda mais perto da votação, essas pautas de costume, assim como a reforma tributária, têm uma dificuldade maior de passar. E tem até um certo receio, porque como é um ano eleitoral, elas são fadadas a alguns gestos muitas vezes demagógicos. Um exemplo é a MP do Voo Simples, a questão das bagagens. Não vejo como um benefício para a sociedade o fim da cobrança da bagagem, porque aquele que não carrega a bagagem hoje vai estar pagando um pedacinho da conta de quem carrega. Mas o discurso era bom para esse momento da eleição. A pauta de costume, e digo isso também em relação à reforma tributária e administrativa, são reformas estruturantes e é melhor que sejam feitas nos primeiros anos de governo.

O governo vai conseguir aprovar o pacote dos combustíveis?

Há um sentimento pluripartidário de que o consumidor, o cidadão comum, não aguenta mais pagar essa conta. Os estados estão tendo superávit em cima da inflação, estão arrecadando mais royalties de petróleo por conta do preço do combustível, que é impactado por uma guerra, uma emergência internacional, que é a da Rússia contra a Ucrânia. O consumidor chegou no limite.

Esse projeto que cria uma conta de estabilização está parado na Câmara e tem resistências por parte do Ministério da Economia.

Eu entendo que o governo precisa dar uma resposta mais rápida. O governo colocou R$ 50 bilhões na mesa. Para isso, ele não precisa de uma conta de estabilização. O governo está cortando, esses R$ 50 bi representam o corte de Pis/Cofins e Cide sobre a gasolina, que está no PLP-18. No projeto de lei complementar também há a possibilidade de compensação em relação à dívida pública. Os estados devem ao governo federal. Os estados precisam fazer o seu gesto. O governo se antecipou e fez o gesto dele.

Mas os estados continuam resistentes ao projeto.

É natural até, é um tempo para quebrar essas resistências. É tempo de construção. No PLP-11, que a gente apresentou, os estados deram um jeito de fazer uma conta diferente que não deu impacto. Agora não dá mais. A gente sabe que com relação a preço de mercado só tem dois caminhos. Um que a gente não concorda, não vai tomar, que é o congelamento. A gente viu no governo Dilma Rousseff o que que foi o congelamento da tarifa de energia e a gente viu que no final o consumidor paga essa conta. Congelamento sobre preço não, porque preço é estipulado pelo mercado.

Quais serão os projetos prioritários do governo até o fim deste ano?

Esse é um ano de poucas semanas úteis, porque é um ano eleitoral. No período das eleições não são contabilizadas faltas, segundo o regimento. A partir de 17 de julho até final de outubro, as atenções do país naturalmente estarão voltadas para as eleições. Depois a gente vai ter aí ainda dois meses que dependem do resultado das eleições. E acredito que esse período vai ser grande produção legislativa sim. Entre as pautas que a gente espera aprovar é o da energia offshore e a Lei Geral do Esporte.

O senhor teve divergências com o presidente sobre a condução da pandemia e, principalmente, por causa do passaporte vacinal. Como ficam essas diferenças agora?

Se essa foi a minha única divergência com o presidente, está ótimo. No fundo a gente pensava igual: ele era contra o lockdown, e eu também. Sobre o meu projeto do certificado de vacinação, sempre digo que o mundo adotou como antídoto contra o lockdown. E o próprio governo federal foi o responsável por lançar o aplicativo do ConecteSUS, que nada mais é do que um certificado digital e que foi usado, inclusive, para os brasileiros poderes entrar em outros países.

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