A postura do Brasil em temas delicados como a pandemia e o desmatamento da Amazônia deixa a sensação para muitos brasileiros de que o país e o presidente Jair Bolsonaro (PL) não são bem vistos no exterior. Não é apenas uma sensação nossa.
O historiador, observador e brasilianista James Naylor Green, que também é professor na Brown University, nos Estados Unidos, analisou o governo de Bolsonaro durante esses 3 anos e meio de mandato. Segundo ele, o presidente do Brasil está “muito mal visto” pelo exterior por conta de suas atitudes e falas.
“Dentre as pessoas que estudam o Brasil lá de fora, ele está muito mal visto. Está sendo visto como um presidente incompetente, que tem uma linguagem grosseira e agressiva, que é machista, homofóbica, racista e sexista . Além de pouco interessado em defender o meio ambiente, ele está muito mal visto”, diz James Green.
A mais recente fala racista de Jair Bolsonaro aconteceu em 12 de maio deste ano, quando questionou um apoiador dizendo: "Tu pesa o quê? Mais de sete arrobas, né?" . Em 2017, quando ainda era deputado, usou a mesma expressão racista para se referir aos indígenas. Na época, ele foi condenado a pagar R$ 50.000 por danos morais devido a declarações contra quilombolas e à população negra em geral.
Bolsonaro e o descaso com a pandemia de Covid-19
Em 2021, Jair Bolsonaro recebeu uma denúncia no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) feita pela fundadora da Comissão Arns, Maria Hermínia Tavares de Almeida, que apontou a “responsabilidade do presidente Bolsonaro em promover, por palavras e atos, uma devastadora tragédia humanitária, social e econômica no Brasil".
Durante os dois anos de Covid-19, o presidente se referiu à doença como uma “gripezinha“, disse não ser “coveiro”, defendeu remédios ineficazes contra a doença e criticou as vacinas contra o coronavírus.
Para o historiador, Bolsonaro é um “Trump dos trópicos”. “Ele é comparado com o Trump (ex-presidente dos Estados Unidos) aqui de fora. Quando Trump negou a seriedade da pandemia num primeiro momento, Bolsonaro também negou a informação e o conhecimento médico ao oferecer um tratamento com cloroquina e hidroxicloroquina, que não possui eficácia comprovada para deter o vírus”.
Quando o Brasil anunciou a compra da vacina da Pfizer, Bolsonaro afirmou ser contrário a vacinação e discutiu sobre os efeitos colaterais da vacina. “Se você virar um jacaré, problema de você [sic]. Se você virar super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não vão ter nada a ver com isso. O que é pior: mexer no sistema imunológico das pessoas”, disse o presidente.
“Ele não faz o que é necessário para deter a Covid-19, não mobilizou a população para usar máscara e não incentivou as pessoas a serem vacinadas, como fez Donald Trump”, afirma Green.
Meio ambiente
Em 2021, Jair Bolsonaro discursou na ONU declarando diminuição de 32% do desmatamento na Amazônia, porém, ele desconsiderou o aumento da destruição acumulada durante a sua gestão.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), outros biomas também têm tido perdas com a política ambiental brasileira: no Cerrado, por exemplo, houve a maior área sob alerta de desmatamento para agosto desde 2018.
Ainda no Cerrado, o número de focos de incêndio – considerados os números de janeiro a agosto de 2021 – foi o maior desde 2012.
No Pantanal, houve recorde de queimadas em 2020. Um levantamento divulgado neste mês aponta que 17 milhões de animais vertebrados morreram por causa das chamas no bioma no ano passado.
Na Caatinga, até 1º de agosto de 2021, o número de focos de incêndio subiu 164% em relação a 2020. Foi o maior aumento nos pontos de fogo para todos os biomas brasileiros nesse período.
Em relação a Amazônia, dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgados em 11 de maio de 2022, apontam alta de 54% no desmatamento na Amazônia em abril, pior marca do mês em 15 anos.
Para o observador James Green, é neste assunto que Bolsonaro está sendo mais criticado no exterior.
“Lá fora ele está muito mal visto neste sentido. Às vezes quando ele critica pessoas preocupadas com o meio ambiente, ele mobiliza um discurso nacionalista dizendo que os norte-americanos, franceses, não têm nada que se envolver com os assuntos nacionais. Por um lado ele tem razão, no sentido que é uma questão nacional, mas as leis nacionais que foram aprovadas pelo Congresso Brasileiro, as medidas já determinadas, estão sendo violadas pelo próprio governo, ele não está cumprindo a lei brasileira”.
E continua: “Então ele utiliza a crítica internacional da política de destruir o meio ambiente, para construir um sentimento de que pessoas de fora estão dizendo aos brasileiros o que eles têm que fazer, ao invés de dizer: “Estamos preocupados com o meio ambiente, vamos mobilizar os recursos possíveis nacionais, aceitamos recursos internacionais para poder avançar na proteção do meio ambiente, vamos defender a Constituição de 1988 que garante a autonomia das terras indígenas”… tudo isso ele não está fazendo. Ao contrário, ele está incentivando as forças que querem destruir o meio ambiente”, diz Green.
Ataques de Bolsonaro à democracia
Em 2021, o chefe do Poder Executivo atacou diversas vezes o Supremo Tribunal Federal (STF), integrantes da Corte e a confiabilidade das urnas eletrônicas, pedindo a inserção dos votos impressos Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Durante o feriado de 7 de setembro de 2021, o presidente fez uma série de ameaças ao STF e à democracia em discursos na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Paulista, em São Paulo. Ele chamou as eleições de "farsa", disse que só sai da presidência "preso ou morto" e exaltou a desobediência à Justiça.
Neste mesmo dia, Bolsonaro xingou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, o chamando de "canalha", dizendo que "não pode mais admitir" que ele "continue açoitando o povo brasileiro”. Dias depois, o mandatário publicou uma nota recuando suas falas anti-democráticas.
Green relembra que apesar de o presidente dizer que as eleições não são confiáveis, ele foi eleito oito vezes através das urnas eletrônicas.
“A maneira que ele ainda ataca o STF, a maneira que ele ataca as instituições brasileiras e questiona as urnas eletrônicas, a qual ele foi eleito oito vezes são claramente medidas para criar um ambiente no Brasil, para gerar uma mobilização caso ele não ganhe no segundo turno. Caso ele não ganhe, ele vai juntar a sua base e declarar que as eleições foram fraudulentas e suponho que ele também tentará mobilizar governadores apoiadores dele, mas algo ele vai fazer para não reconhecer os resultados eleitorais”, diz o historiador.
Eleições 2022
Com as eleições presidenciais se aproximando, James Green comentou sobre as chances de reeleição de Bolsonaro e como o atual presidente se diferencia de seu maior adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Se ele vai ser reeleito ainda é difícil dizer, em cinco meses muita coisa pode acontecer. As pesquisas mostram que Lula está na frente, mas acredito que isso pode mudar, mas eu acho que Bolsonaro tem uma posição reacionária defendendo ideias conservadoras, que vão contra a todas as tentativas democráticas dos últimos 40 anos de expandir a participação na sociedade brasileira, os movimentos do povo negro, dos indígenas, dos LGBTQIA+... ele está contra a todas essas ideias e esses conquistas que foram realizadas a partir do movimento dos anos 1970 para lutar contra a Ditadura aqui no Brasil", afirma.
Nas últimas pesquisas eleitorais, o ex-presidente Lula tem liderado as intenções de voto com 46%, já Bolsonaro tem ficado entre 32% e 35% .
"Eu acho que o Lula representa as forças que bem ou mal tentaram transformar os problemas sociais do país como a desigualdade social e econômica, a questão dos direitos democráticos para toda a sociedade. Então temos duas visões do mundo bem distintas e essa eleição vai ser em parte um plebiscito para saber qual o rumo que o Brasil deve tomar", diz James.
Terceira-via
Com a recente desistência do ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) e do ex-juiz Sergio Moro (União) da disputa presidencial, James Green afirma que nenhum candidato tem "uma força expressiva para vencer" as eleições, e que a decisão deve ficar entre Lula e Bolsonaro.
“Não existe terceira-via, isso é uma coisa criada desesperadamente por pessoas tentando procurar um candidato que não fosse o Bolsonaro ou Lula, mas nenhum deles tem uma força expressiva para vencer”.
"Tínhamos Sergio Moro e João Doria, que eram fortes nomes, mas desistiram. Vai ser interessante se a Simone Tebet (MDB) for realmente o nome da ligação do Cidadania, MDB e PSDB, mas ela vai ter que distinguir-se de Bolsonaro para ganhar eleitores dele. E temos Ciro Gomes (PDT), que infelizmente não conseguiu seu espaço político nesse processo".
"Vamos ver o que eles vão levantar de questões, mas acho que vai ficar entre Lula e Bolsonaro estas eleições", finaliza Green.
Entre no canal do Último Segundo no Telegram e veja as principais notícias do dia no Brasil e no Mundo. Siga também o perfil geral do Portal iG.