Weintraub diz que Bolsonaro abandonou bandeiras conservadoras
Senado convidou ex-integrante do governo para participar de audiência de comissão que apura suspeitas de irregularidades envolvendo o Ministério da Educação
Ex-ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, Abraham Weintraub passou de um dos principais aliados do presidente para desafeto do Palácio do Planalto. Essa inflexão ocorreu em uma escalada após Weintraub do Ministério da Educação (MEC) decidir concorrer ao governo de São Paulo e fazer críticas públicas ao governo. Ao GLOBO, ele afirma que Bolsonaro abandonou as bandeiras conservadoras que o elegeram em 2018.
"O presidente Bolsonaro hoje já não tem mais o discurso de direita, não tem mais um discurso conservador. A pauta não é mais conservadora. A pauta não tem mais a ver com livre mercado, privatização, com valores que a gente defendia de forma comportamental, cultural. Sobrou o que? Sobrou motociata e só", critica Weintraub.
Na semana passada, a Comissão de Educação do Senado aprovou convite para que Weintraub vá ao órgão para falar sobre o tema. Ele afirma que ainda não recebeu comunicação formal do Senado.
"Se eles me convidarem educadamente, garantirem que vou poder falar sem ser interrompido, inclusive de coisas erradas que encontrei de gestões passadas, como do PT, coisas que mandei para a Polícia Federal e o Ministério Público, como o Enem superfaturado... ", afirma.
A passagem de Weintraub pelo MEC foi cercada de polêmicas. O ministro era presença frequente no Congresso por exigência dos parlamentares para prestar esclarecimentos a respeito de sua conduta. Sua permanência no cargo se tornou insustentável quando veio a público um vídeo de uma reunião interministerial na qual pedia a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em meio ao conflito com a Corte, Weintraub foi para os Estados Unidos, indicado pelo governo para assumir a diretoria-executiva do conselho do Banco Mundial. O ex-ministro permaneceu no posto até o início de maio, quando renunciou ao mandato no órgão para voltar ao Brasil e concorrer ao governo de São Paulo. O movimento contraria Bolsonaro, que tem preferência por outro ex-ministro, Tarcísio de Freitas, pré-candidato ao Palácio dos Bandeirantes.
Weintraub diz que Bolsonaro tentou impedi-lo de voltar ao Brasil para disputar as eleições.
"No final do ano, eu não tinha falado em momento algum que seria candidato ao governo de estado, o presidente mandou recado que eu seria demitido, na véspera de Natal", conta Weintraub.
"Com o presidente não temos mais conversa. Acabou. Na época que a gente foi para o Brasil, no começo do ano, ele chegou a ligar para o meu irmão (Arthur Weintraub) e dizer: "Não venham para o Brasil".
Procurada, a Presidência da República não se manifestou.
Desde quando a relação com o presidente azedou, Weintraub relembra que em ao menos uma ocasião específica Bolsonaro amenizou o tom numa conversa no segundo semestre do ano passado:
"Houve uma conversa muito mais branda e muito mais mansa da parte dele quando o Sergio Moro se lançou. Aí ele procurou, ligou de um outro tom, bem mais brando, perguntando se a gente apoiaria o Sergio Moro para presidente e aí meu irmão falou para ele que de jeito nenhum, que não iríamos apoiar o Sergio Moro, para ele ficar tranquilo."
Apesar das rusgas, Weintraub diz não se arrepender de ter apoiado o presidente, pois "se fosse o Haddad teria sido muito pior". Ele destaca que prefere Bolsonaro ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal oponente do governo no pleito deste ano.
"Apesar das ressalvas, em o presidente ganhando um segundo mandato, esse segundo mandato vai ser pior que o primeiro. No mundo ocidental, não me vem à mente um segundo mandato de um cargo eletivo no Executivo que foi melhor do que o primeiro. E no segundo mandato ele já começa cercado de gente ruim, gente errada. No primeiro mandato ele ainda estava...Agora não, ele já é refém. Já está na defensiva, tendo que se explicar de um monte de coisas que não têm explicação, não tem como explicar (de forma) bonita essa história."
Escândalo no MEC
Em meio à turbulência causada pelo escândalo no Ministério da Educação (MEC), sob a gestão de seu sucessor, Milton Ribeiro, Weintraub afirma que o discurso anticorrupção do governo não tem sustentação.
No início do mês, Weintraub revelou em entrevistas que recebeu de Bolsonaro uma ordem para entregar o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ao Centrão. Segundo ele, o presidente teria dito que não tinha alternativa a não ser passar o comando do órgão ao grupo político.
O MEC e o FNDE estão no centro de denúncias de irregularidades a respeito da atuação dos pastores lobistas que teriam cobrado propinas para facilitar acesso a recursos da educação durante a gestão do então ministro Milton Ribeiro.
De acordo com Weintraub, as balizas criadas na governança do FNDE durante sua passagem pelo MEC permitiram apuração da conduta dos gestores, o que viabilizou a identificação de possíveis irregularidades no comando do órgão sob Ponte.
Crítico do ex-ministro Milton Ribeiro, Weintraub evita acusá-lo, mas diz que as denúncias mostram "um monte de coisa errada". Ele cita as suspeitas sobre pedido de propina por pastores, fotos de Ribeiro em Bíblias distribuídas pelos religiosos, possível superfaturamento na compra de ônibus, e distribuição de Kits de Robótica para escolas sem água e computador.
"O presidente falou que poria o rosto no fogo pelo Milton, eu não poria meu dedo mindinho (no fogo) pelo Milton ", destaca. Procurado, Milton não se manifestou.
Entre no canal do Último Segundo no Telegram e veja as principais notícias do dia no Brasil e no Mundo.