Campanha de Lula ainda não engata no digital e preocupa aliados
Ex-presidente, que não tem celular, enfrenta a novidade de precisar "bombar nas redes" e preocupa grupos de apoio e dirigentes do PT
"Acho que os grupos lulistas não deveriam fechar após as 18h e fins de semana. (...) os bolsonaristas já estão trabalhando a 1.000 por hora, atacando e colocando fake news em todas as mídias sociais sete dias por semana, 24 horas por dia".
O alerta foi feito pela participante de um dos grupos de apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no WhatsApp e reflete uma preocupação também de dirigentes do PT.
Desde a eleição presidencial de 2018, o partido tenta encontrar uma forma de ter uma comunicação mais efetiva nas redes. A direção da legenda atribui a derrota para Jair Bolsonaro naquela disputa ao uso, por parte do adversário, de ferramentas de comunicação digital, principalmente o WhatsApp, com propagação de notícias falsas.
A necessidade de “bombar nas redes” também é uma novidade para Lula. Na última vez em que o ex-presidente participou de uma eleição, em 2006, a disputa política na internet ainda era incipiente. O próprio líder petista ainda vive no mundo analógico. Lula não tem celular e usa o aparelho de auxiliares para suas conversas. Também se queixa constantemente de ver “companheiros” olhando para telas durante reuniões.
Com a sua falta de intimidade com o universo digital, Lula pouco opina sobre as estratégias nesse campo. O “gabinete” do ex-presidente nas redes é tocado pelo jornalista José Chrispiniano, seu assessor há mais de uma década, e pela tecnóloga Brunna Rosa, ligada ao ex-ministro Franklin Martins.
Até a semana passada, eles se reportavam a Franklin, que está deixando a coordenação da pré-campanha após embates com a cúpula do PT. Um dos fatores de desgaste ocorreu porque o ex-ministro se recusava a compartilhar com a direção partidária relatórios de uma empresa de monitoramento das redes com a alegação que a informação era estratégica.
A expectativa é que a área passe por mudanças com a chegada do novo marqueteiro Sidônio Palmeira e de um novo coordenador de comunicação. Os mais cotados para o posto são o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, e o deputado Rui Falcão (SP), ex-presidente do PT.
Lula passou a intensificar a sua participação nas redes sociais após a recuperação de seus direitos políticos, em março do ano passado, por causa da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular as condenações na operação Lava-Jato.
No mês passado, foi lançado pela pré-campanha o portal “Lulaverso”, voltado ao público jovem. Há grupos de WhatsApp e Telegram vinculados ao site e vídeos produzidos para o TikTok.
Na primeira semana, o WhatsApp suspendeu, de forma temporária, alguns administradores petistas por causa da movimentação intensa dos grupos na rede.
Chama a atenção o fato de que os grupos do Lulaverso só permitirem postagens nos dias de semana, entre 14h e 18h. Esse era queixa da apoiadora do petista citada no começo desta reportagem. Para especialistas, a limitação de horário dificulta o engajamento porque inibe textos com espontaneidade.
David Nemer, professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, avalia que a esquerda precisa encontrar uma forma de se comunicar com os jovens pelas redes.
"O bolsonarismo dissemina desinformação e discurso de ódio. Esse conteúdo gera mais engajamento nas redes. É uma competição injusta, mas isso não quer dizer que o outro lado não precise se reinventar dentro das regras, porque está perdendo espaço", afirma o professor.
Óculos da moda
Nos últimos dias, Lula conseguiu aumentar os seus seguidores no Instagram com uma foto usando óculos Juliet, item popular nas periferias, em encontro com jovens na Favela de Heliópolis, em São Paulo. Também posou ao lado da influenciadora e advogada Deolane Bezerra. Segundo o professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, foram 328 mil novos seguidores em dez dias, contra 100 mil de Bolsonaro. O presidente, no entanto, ainda tem larga vantagem nessa rede social, com 19,7 milhões de seguidores ante 4,8 milhões do petista.
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