PL das Fake News permite compartilhar dados e altera exigências; veja
Em outra mudança, Orlando Silva equiparou redes a meios de comunicação em norma sobre utilização indevida nas eleições
Em meio à pressão das maiores plataformas digitais, o texto do Projeto de Lei das Fake News sofreu mais mudanças feitas pelo relator, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), antes de ser votado no plenário da Câmara dos Deputados e trouxe alguns acenos às redes. Um dos principais pontos da nova versão é a alteração do artigo 7º do projeto, que aborda o tratamento de dados pessoais com serviços prestados por terceiros e era alvo de críticas públicas de empresas como Facebook, Google e Twitter.
Pelo novo texto, o compartilhamento de dados pessoais poderá ocorrer de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), "desde que esta combinação não tenha como objeto ou efeito restringir a concorrência". A redação anterior trazia uma vedação explícita à combinação do tratamento de dados entre os provedores e serviços de terceiros.
As plataformas vinham afirmando que o texto traria impacto na publicidade digital, principalmente para pequenas e médias empresas e veículos de comunicação. Isso porque, na avaliação delas, o texto impediria o uso de informações dos usuários coletadas pelas redes na publicidade personalizada — tipo de ação em que o anunciante utiliza dados do consumidor para sugerir produtos e serviços relacionados com o perfil dele. O tópico e foi alvo de campanhas de grandes empresas do setor de tecnologia nas últimas semanas.
O relator também alterou o detalhamento de informações nos relatórios de transparência semestrais que as redes terão que publicar. As plataformas criticaram a obrigatoriedade de divulgar dados sobre os sistemas automatizados de moderação de conteúdo com o argumento de que as informações poderiam auxiliar usuários que queiram burlar seu monitoramento automatizado. O projeto passa a pedir informações agregadas sobre o alcance de conteúdos identificados como irregulares e, em vez dos critérios para apuração e grau de acurácia dos sistemas automatizados, indica a divulgação de uma descrição dos tipos de ferramentas de detecção automatizadas envolvidas na aplicação das políticas de conteúdo.
"É uma tentativa de aperfeiçoar a parte de transparência. Havia uma crítica de que o nível de detalhe que o texto trazia poderia dar ouro para o bandido, poderia permitir a quem quer usar as redes de modo malicioso ter acesso à informação privilegiada. Nós não queremos isso. Por isso, revisamos todos os relatórios de transparência, para ajustar os termos", explicou Orlando Silva em um debate promovido na quinta-feira pela Coalizão Direitos na Rede e pelo Sleeping Giants no Twitter.
O deputado aumentou o prazo para que as empresas divulguem seus relatórios, de 30 dias após o término do semestre para 60 dias. Outra mudança diz respeito à punição a que as empresas ficam submetidas em caso de descumprimento das obrigações previstas na lei. A nova redação estabelece que as medidas corretivas devem ser tomadas em até 30 dias e define multa de R$ 10 a R$ 1 mil reais por usuário cadastrado, quando não houver faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício.
A nova redação traz ainda detalhes sobre as atribuições da representação no Brasil exigida no projeto, trecho incluído no PL em meio às dificuldades de comunicação da Justiça com o Telegram, que não contava até semana passada com representação legal no Brasil e não respondia a decisões judiciais. Além de cumprir as determinações judiciais, o representante terá de responder a eventuais penalizações, multas e afetações financeiras e "fornecer às autoridades competentes as informações relativas ao funcionamento, às regras próprias aplicáveis à expressão de terceiros e à comercialização de produtos e serviços do provedor".
Equiparação
O texto também equiparou as plataformas digitais aos meios de comunicação social no que se refere à utilização indevida dos serviços no contexto eleitoral. O trecho tem como referência o art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 1990, que determina que qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral "poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias" e "pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político".
Para o diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz, esse ponto do projeto gera confusão e pode entrar em conflito com outras regulamentações, como o Marco Civil da Internet, que garante a liberdade de expressão ao não responsabilizar as plataformas por conteúdos dos usuários:
"Isso quer dizer que as redes vão passar a ser responsabilizadas pelo conteúdo dos usuários, o que foi vedado pelo Marco Civil da Internet, ou que as regras aplicáveis a redes de TV se aplicarão também às plataformas? O projeto trata igualmente coisas que não são iguais. As redes não são meio de comunicação, são suporte de conteúdo gerado por usuário. O relator quer fortalecer a possibilidade de que campanhas que abusem na internet possam ser cassadas, mas haverá consequências para além disso".
O deputado Orlando Silva defendeu a proposta e ressaltou que o texto não afeta a responsabilidade dos provedores estabelecida no Marco Civil da Internet.
"Do mesmo modo que não pode haver abuso em meio de comunicação, não pode haver abuso por parte do sujeito numa plataforma digital. No processo eleitoral, não é o meio de comunicação que é alvo de processo eleitoral, é o candidato ou a autoridade que abusa. Do mesmo modo, não vai ser uma plataforma digital que vai ser alvo de um processo eleitoral. Vai ser quem fez uso da plataforma para aquele objetivo", disse o relator ainda durante o debate no Twitter.
O artigo do PL das fake news reproduz a tese fixada pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado, durante o julgamento que rejeitou a cassação dos mandatos do presidente Jair Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão. O colegiado entendeu que o “o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas visando promover disparos em massa contendo desinformação e inverdades em prejuízo de adversários e em benefício de candidato pode configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social", também segundo o artigo 22 da Lei Complementar nº 64.
Remuneração
O novo texto traz ainda mais detalhes sobre a remuneração a veículos jornalísticos. O PL deixa de fora do pagamento o compartilhamento do link do conteúdo jornalístico pelo usuário e o uso de hiperlinks para conteúdo jornalístico original. O texto também estabelece que poderá receber a remuneração prevista "pessoa jurídica, mesmo individual, constituída há pelo menos dois anos, que produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no país".
A redação determina ainda que a exclusão ativa ou o impedimento de disponibilização pelo usuário de conteúdos jornalísticos das empresas com intuito de descumprimento da norma poderá configurar ato de abuso de poder econômico.
Outra mudança é que o texto estabelece que detentores de mandatos públicos no Executivo e Legislativo que possuem mais de uma conta em uma plataforma digital deverão indicar aquela que representa oficialmente seu mandato ou cargo. As demais ficam eximidas das obrigações conferidas pelo projeto a agentes públicos. A exceção é para os casos em que as contas contenham manifestação oficial própria do cargo.
O projeto conferirá ainda ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) a possibilidade de requerer diretamente aos provedores "informações a respeito das metodologias utilizadas para a detecção de desconformidades que motivaram a intervenção em contas e conteúdos gerados por terceiros, incluindo a exclusão, indisponibilização, redução do alcance, desindexação, sinalização, com o objetivo de identificar vieses e produzir políticas públicas pra garantir a liberdade de expressão, observados os segredos comercial e industrial".
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