Aras afirma que Bolsonaro não cometeu crime ao vazar inquérito
Delegada havia imputado ao presidente delito de violação de sigilo funcional, mas procurador-geral da República argumentou que documentos não eram sigilosos
O procurador-geral da República Augusto Aras contrariou relatório da Polícia Federal que acusava o presidente Jair Bolsonaro do crime de violação de sigilo funcional e pediu o arquivamento do caso, argumentando que não houve prática de delito por parte do presidente da República, sob argumento de que os documentos vazados não estariam em sigilo. Aras vai enviar nesta quinta-feira sua manifestação ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
O caso envolve a divulgação, por parte de Bolsonaro, de documentos de um inquérito da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O presidente divulgou a documentação durante uma live na qual fez ataques às urnas eletrônicas e também compartilhou o arquivo nas redes sociais, por meio de um auxiliar.
Esse foi o primeiro caso em que a PF imputava diretamente um crime a Jair Bolsonaro. Ao investigar o vazamento, a delegada da PF Denisse Dias Ribeiro concluiu que Bolsonaro havia cometido o crime de violação de sigilo funcional porque, de acordo com seu relatório, a documentação divulgada pelo presidente era sigilosa. A delegada argumentou que um inquérito policial tem natureza sigilosa e só se torna público depois que existe uma decisão judicial retirando o seu sigilo. A conclusão foi enviada ao STF há duas semanas.
Apesar de a PF ter apontado crimes no caso, quem tem a atribuição de apresentar uma denúncia contra os acusados ou pedir arquivamento é a Procuradoria-Geral da República (PGR). Como é o titular da ação penal perante o Supremo Tribunal Federal, Aras tem a palavra final sobre a responsabilização de Bolsonaro neste caso. Caberá agora ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes despachar o pedido de arquivamento. A praxe no STF é que, no caso de arquivamento, o ministro siga o parecer da PGR.
Aras, entretanto, apresentou uma argumentação diferente da PF. O procurador-geral escreveu que o inquérito divulgado por Bolsonaro não era sigiloso, porque não constava no processo nenhuma decisão do juiz do caso decretando o sigilo. Por isso, na opinião da PGR, a conduta atribuída a Bolsonaro é atípica, ou seja, não configura crime.
No próprio arquivo vazado pelo presidente, havia referências ao caráter sigiloso do processo. Na tramitação do sistema eletrônico da Justiça Federal do Distrito Federal, existe um campo específico para identificar se o caso seria público ou sigiloso. Consta neste campo a seguinte informação: "Segredo de Justiça: Sim". Isso porque todo inquérito policial, quando é protocolado na Justiça, automaticamente ganha o carimbo de sigiloso.
Para a PGR, entretanto, esse sigilo só estaria efetivamente caracterizado se o juiz do caso tivesse proferido um despacho determinando o sigilo. "Nesse cenário, a simples aposição de carimbos ou adesivos nos quais se faz referência a suposto sigilo da investigação não é suficiente para caracterizar a tramitação reservada. O registro de sigilo no protocolo de cadastramento ('Segredo de Justiça? Sim') do inquérito policial no PJe, por ocasião de sua remessa à Justiça Federal, da mesma forma, é inapto, por si só, para caracterizar o regime de segredo", escreveu Aras.
'Danos à administração'
Na conclusão do relatório, enviado em 2 de fevereiro ao Supremo Tribunal Federal (STF), a delegada Denisse Dias Ribeiro escreveu que Bolsonaro, o deputado Filipe Barros (PSL) e o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens da Presidência, "revelaram fatos que tiveram conhecimento em razão do cargo e que deveria permanecer em segredo até conclusão das investigações, causando danos à administração pela vulnerabilização da confiança da sociedade no sistema eleitoral brasileiro e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tudo com a adesão voluntária e consciente do próprio mandatário da nação."
Bolsonaro usou a investigação sobre o ataque hacker para lançar dúvidas na confiabilidade das urnas eletrônicas. O ataque mirou servidores da Justiça Eleitoral e bancos de dados, mas não alcançou as urnas eletrônicas, que não são conectadas à internet.
O crime descrito pela delegada é uma forma mais grave da violação de sigilo funcional, caracterizada por ter provocado danos à administração pública, e tem pena prevista de reclusão, de dois a seis anos. Além disso, a PF cita outro artigo que prevê aumento da pena pelo fato de o autor do crime ser funcionário público.