Especialista: Bolsonaro acena a ultraconservadores com visita a Orbán
Em ano eleitoral, chefe do Executivo brasileiro tenta esconder isolamento ao mostrar prestígio internacional junto a lideranças ultraconservadoras
Acompanhado de uma "comitiva militar", o presidente Jair Bolsonaro (PL) desembarcou na manhã desta terça-feira (15) em território russo , onde se reunirá com o presidente Vladimir Putin. Na agenda do chefe do Executivo está também um encontro com o primeiro-ministro e líder ultranacionalista da Hungria, Viktor Orbán.
Em meio ao conflito entre a Rússia e os Estados Unidos envolvendo um eventual ingresso da Ucrânia como membro da aliança militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) , Bolsonaro vê a viagem como uma "oportunidade de alavancar a economia" em tratativas com a Rússia, como disse o mandatário em transmissão ao vivo em dezembro. Além disso, Bolsonaro pretende estreitar laços ideológicos internacionais com o premier húngaro.
Para Rodrigo Fernando Gallo, professor de Política e Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), o encontro com Orbán é um movimento de Bolsonaro em busca de se aproximar de lideranças conservadoras no mundo, mas tem pouca relevância do ponto de vista comercial.
"Funciona inclusive como forma de mostrar ao seu eleitorado que ele dispõe de algum prestígio internacional junto a países ligados ao campo conservador. A visita ao líder húngaro cumpre com esse objetivo na agenda ideológica bolsonarista, sobretudo porque nossas relações comerciais com a Hungria não são tão relevantes para justificar alguma necessidade econômica particular", comenta o especialista.
"Quanto aos reflexos internacionais disso, é uma sinalização ao mundo de que o Brasil, na atual gestão, está mesmo disposto a se alinhar cada vez mais com governos ultraconservadores, o que pode desagradar a lideranças democráticas em países essenciais para as relações internacionais brasileiras. Contudo, não acredito que apenas isso seria responsável por romper relações com nenhum país."
Risco à postura diplomática do Brasil
O 'timing' da viagem da comitiva brasileira à Rússia foi amplamente questionado por especialistas. Segundo o professor Rodrigo Fernando Gallo, embora seja importante fortalecer as relações bilaterais com a Rússia, a viagem a Moscou ocorre em um 'momento delicado'.
"Bolsonaro é um presidente espontâneo no que diz respeito à comunicação em redes sociais e principalmente nas falas, e qualquer deslize pode desagradar principalmente Estados Unidos e União Europeia, que pela perspectiva comercial são mercados mais importantes para nós do que a Rússia. Então, essa visita apresenta uma série de riscos para a diplomacia brasileira junto a aliados econômicos bastante tradicionais".
Na manhã desta terça-feira, contrariando o Itamaraty, Bolsonaro comentou sobre a retirada parcial das tropas russas da fronteira com a Ucrânia. Na publicação, Bolsonaro disse estar torcendo "pela paz". Também nas redes sociais, bolsonaristas compartilharam uma postagem enganosa do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que o mandatário brasileiro teria sido o responsável por convencer Putin a recuar.
"O problema de usar as redes para falar sobre política internacional é que isso foge da lógica padrão, que indica que a comunicação sempre deve ser formal e divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores sobretudo em momentos de crise, pois isso configura a visão do Estado sobre o problema, e não a visão particular do chefe de Estado. Há uma diferença bastante significativa. No entanto, Bolsonaro usa a política externa para fins de política interna, e não se pode duvidar que essa visita e esse post sejam formas de dialogar com sua própria base eleitoral, ainda que haja implicações diplomáticas."