SP: Aproximação com Lula deixa antigos aliados de Alckmin 'órfãos'
Possível aliança com petista tem levado a realinhamento de lideranças no Vale do Paraíba, reduto do ex-governador
A expressão "tudo que é sólido se desmancha no ar", imortalizada no Manifesto Comunista como uma crítica de Marx e Engels ao capitalismo e posteriormente usada por Marshall Berman como título de um ensaio sobre a pós-modernidade, certamente pode ser usada para retratar a situação política atual na cidade de Pindamonhangaba, a 160 quilômetros de São Paulo.
Ali, a ideia da chapa presidencial Lula-Alckmin provocou surpresa e um realinhamento de lideranças políticas regionais. Isso porque Alckmin nasceu, cresceu e iniciou carreira política no município, que nunca elegeu prefeitos de esquerda.
Inicialmente, os rumores de uma aliança do ex-governador com Lula foram tidas por prefeitos do Vale do Paraíba como boataria. De lá para cá, o rumor virou fato e Alckmin comunicou pessoalmente a interlocutores na região que está decidido a compor com Lula, o que movimenta os bastidores políticos locais.
Filho da cidade
João Bosco Nogueira (MDB), de 80 anos, prefeito de Pindamonhangaba por dois mandatos (1973-1976 e 1983-1988) e vice-prefeito em outro (2005-2008), diz ter sido um dos responsáveis por iniciar a carreira política de Alckmin, eleito vereador aos 19 anos, em 1972. Quatro anos mais tarde, Alckmin se elegeu prefeito com o apoio de Bosco.
"Geraldo é filho da cidade, o partido no caso dele não é tão importante, não o desfigura. Política é momento e as circunstâncias o levam a se aliar com Lula", diz.
Apesar disso, Bosco gosta de destacar que nunca mudou de partido, religião (é católico) ou esposa (é viúvo há 19 anos). O ex-prefeito diz ter votado em Alckmin no primeiro turno em 2018 e em Bolsonaro no segundo.
"Me arrependi, o presidente é imbecil. Ganhou do Geraldo aqui circunstancialmente. Agora, mesmo com o Lula tendo o Geraldo de vice, no primeiro turno eu penso em votar no Moro. O que vai ditar a definição é o momento, eu quero que resolva logo no primeiro turno", afirma.
O atual prefeito, Isael Domingues (PL), tem evitado se pronunciar sobre o que seu entorno considera uma aproximação polêmica demais para Pindamonhangaba. Filiado ao partido de Bolsonaro, ele não se considera um bolsonarista e escolhe, por enquanto, o silêncio sobre a política nacional.
Aliado de Domingues, o vereador José Carlos Gomes, presidente da Câmara e parlamentar há seis mandatos se recusa a falar publicamente sobre a chapa Lula-Alckmin, mas distribuiu à imprensa uma nota em que afirma que a eventual aliança "deve ser considerada um avanço das forças políticas democráticas".
Ex-prefeito por dois mandatos (2005-2012), João Ribeiro estudou no colégio com Alckmin e teve como vice-prefeita no segundo mandato Miriam Alckmin, sobrinha do ex-governador. No primeiro mandato, seu vice foi Bosco, que também é tio de Miriam, mas ambos romperam.
Afastado da política, Ribeiro nega proximidade com os Alckmin atualmente, mas vê com bons olhos uma aliança com o PT.
"Um ali deve ter crítica contra o outro, mas a aliança é por algo que está acima do antagonismo. Eu não votei no Bolsonaro, alguma coisa precisa ser feita pelo país", diz.
Exposição radical
Adversário político de Bosco, Ribeiro e Domingues, Vito Ardito, prefeito por quatro mandatos e dono de uma rádio local, disse ser entusiasta de Alckmin, mas é crítico feroz da aproximação com o PT. Para ele, “é uma coisa radical se expor com o Lula”.
"Geraldo teve uma conduta a vida inteira e de repente muda? Tem muita gravação dele falando mal do Lula, as pessoas aqui não vão votar no Lula só por ele. Aqui ainda tem bastante bolsonarista", ressalta ele, que já foi filiado a MDB, PSDB, PP e hoje está sem partido.
Ardito é um entusiasta do governo Bolsonaro, apesar de considerar que o presidente “fala muita bobagem”. Para ele, Alckmin deveria voltar ao governo do estado.
Por outro lado, o único vereador eleito pelo PT em Pindamonhangaba, o metalúrgico Herivelto Vela, deixou de ser crítico de Alckmin e agora o quer como cabo eleitoral. Pré-candidato a deputado estadual, ele mantém um programa na rádio de Ardito.
"Sempre critiquei o Alckmin, e não mudou nada. Ele continua o mesmo, com os pensamentos dele, não vai nunca fazer as políticas progressistas do PT, mas o presidente Lula deixa bem claro que o momento é de buscar convergências", diz ele.
O momento é de aproximação, segundo Vela. O vereador já convidou Alckmin para participar de seu programa de rádio.
"O Geraldinho, como ele é conhecido na cidade, é ainda uma liderança política forte na região. Para o Vela, é um cabo eleitoral interessante para percorrer o Vale do Paraíba. O eleitorado é conservador, mas o Bolsonaro tem uma rejeição crescente", afirma o parlamentar.
Sem foto no santinho
Em Taubaté, cidade vizinha de Pindamonhangaba, o cenário é similar. Ali, a família Ortiz, de tucanos alckmistas históricos, deteve a hegemonia política no município na maior parte das últimas quatro décadas, mas perdeu a última eleição para um político local alinhado com Bolsonaro.
Foram prefeitos da cidade por cinco mandatos Bernardo Ortiz e seu filho, Ortiz Júnior. Ambos decidiram ficar no PSDB mesmo após a saída de Alckmin. Júnior governou o município por dois mandatos (2013-2020) e é subsecretário de Marco Vinholi na Secretaria de Desenvolvimento Regional do governo Doria.
"Geraldo havia conversado com as pessoas mais próximas sobre a possibilidade de disputar uma eleição para o governo do estado (fora do PSDB). Eu reiteradamente disse a ele que permaneceria no partido. Muitos amigos na região tinham decidido ir com ele, mas agora não há para onde ir. Ele não tem partido e o projeto é Lula", diz ele, que também é pré-candidato a deputado estadual.
Para ele, a região do Vale do Paraíba ainda continua anti-PT e antiesquerda, embora Bolsonaro tenha perdido boa parte do apoio local. Se em 2018 teve 80% dos votos no segundo turno, agora teria perto de um quarto da preferência dos eleitores, estima o político.
"Não sei como o eleitor vai enxergar a chapa Lula-Alckmin, é uma aliança de campos políticos e pensamentos opostos. Não vou ter como usar foto dele no santinho, infelizmente. Eu gosto muito dele, mas não posso", afirma o político.
Na mesma cidade, o atual prefeito, José Saud (MDB), diz que o movimento de Alckmin “é legítimo, mas vai ter rejeição na região, que é de direita”.
Adversária de Ortiz e de Saud, Loreny Roberto (Solidariedade) ficou em segundo lugar nas eleições de 2020 em Taubaté. Pré-candidata a deputada federal, ela é uma entusiasta da aliança do ex-tucano com Lula e quer que Alckmin escolha seu partido.
Movimento solitário
Entre os mais recentes dissidentes do PSDB na região, a aproximação de Alckmin e Lula também é vista com ressalvas. O prefeito de São José dos Campos, Felício Ramuth, deixou no mês passado o PSDB após 28 anos no partido e entrou no PSD de Gilberto Kassab e deve concorrer ao governo do estado.
"Temos uma proximidade histórica com o Alckmin, sempre o acompanhamos, mas este movimento que ele faz agora é solitário. Conversei com ele em janeiro e ele foi objetivo, disse que estava determinado em compor a chapa com o Lula, encarava isso como uma missão pelo país", afirma Ramuth.
Para Ramuth, é difícil defender uma aproximação com o PT em São José dos Campos, embora ele mesmo admita que o petista já passou a ser visto com bons olhos pelos joseenses, que se desiludiram com Bolsonaro.
"Meu grupo político tem uma história de oposição com o PT, mas mantenho a proximidade com Alckmin. Acho que ele não será mais padrinho eleitoral de políticos da região por estar com o Lula, mas a função dele é ser um sinal, quase como uma nova Carta aos Brasileiros", diz.