Crise no Reino Unido: soldados se preparam para substituir caminhoneiros

Governo aprovou a mobilização de 150 motoristas do Exército e outros 150 estão de prontidão; escassez ocorre pela falta de mão de obra provocada pelo Brexit

Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
Carro sendo abastecido



O governo britânico aprovou formalmente a alocação de 150 motoristas do Exército, que já estão em treinamento, para ajudar a conter a escassez de caminhoneiros no Reino Unido, depois que o atraso na distribuição de combustíveis e uma corrida às compras secou as bombas dos postos nas grandes cidades. Outros 150 soldados aguardam caso precisem ser mobilizados —  algo que o ministro de Empresas e Energia, Kwasi Kwarteng, indicou que pode acontecer esta semana.

"Decidimos fazer isso e acredito que nos próximos dias as pessoas verão os soldados dirigindo a frota de caminhões-tanque", confirmou o ministro nesta quarta-feira.

A decisão põe em dúvida a afirmação do governo de que a situação está melhorando, como o primeiro-ministro Boris Johnson e seus ministros vêm repetindo nas últimas 24 horas. Nesta quarta, motoristas ainda enfrentam dificuldades para encontrar combustível e longas filas de espera. Motoristas de táxi de Londres disseram que há poucos sinais de melhora.

"A situação não é diferente hoje do que era no início desta semana — disse Steve McNamara, secretário-geral da Associação de Taxistas Licenciados, que representa metade dos 22 mil motoristas dos icônicos táxis pretos de Londres. "A maioria dos postos de combustível está fechada. Os abertos são poucos e estão distantes entre si, com filas enormes".

Embora as medidas anunciadas por Kwarteng possam aliviar a escassez, o anúncio de medidas de emergência traz o risco de desencadear uma nova corrida às compras. Desde o fim de semana, a busca por gasolina causa enormes engarrafamentos nos postos, depois que distribuidores anunciaram o fechamento de bombas pela falta de caminhoneiros para transportar combustível a partir dos terminais de armazenamento.

Diante das imagens chocantes de postos de gasolina lotados, o governo continua repetindo que o país não está ficando sem combustível, mas que a escassez se deve à demanda excepcional causada pelo pânico. No entanto, a falta de combustível é apenas o último exemplo. Recentemente, as prateleiras dos supermercados ficaram vazias por causa do deficit de 100 mil caminhoneiros, em parte causado pela saída do país de trabalhadores de outros países europeus depois da concretização do Brexit.

O efeito da retirada britânica do mercado comum da União Europeia, em janeiro deste ano, passou a ser mais sentido com a normalização das atividades comerciais e industriais depois que foram suspensas, em julho, as últimas restrições de circulação impostas para conter a pandemia da Covid-19. Além da falta dos trabalhadores europeus que voltaram para seus países, criou-se uma nova burocracia para a importação de produtos dos países da UE, que são os principais fornecedores de alimentos ao Reino Unido.

O problema fez com que Boris Johnson aprovasse a concessão temporária de 5 mil vistos para caminhoneiros da UE trabalharem no Reino Unido, além de outros 5 mil para que a indústria britânica de carnes possa recontratar trabalhadores do bloco — principalmente do Leste Europeu — para que suas fábricas de processamento voltem a trabalhar a plena capacidade.

O governo disse que espera que a escassez diminua assim que o pânico acabar, e novamente, nesta na quarta-feira, pediu aos britânicos que voltem aos hábitos normais.


"Estamos trabalhando em estreita colaboração com a indústria para ajudar a aumentar os estoques de combustível e agora há sinais de estabilização no armazenamento do pátio", disse um porta-voz do governo. "Temos amplas reservas de combustível e continuamos confiantes em que a situação vai melhorar nos próximos dias. Quanto mais cedo pudermos voltar aos nossos hábitos normais de compra, mais cedo a situação voltará ao normal". 

Na terça-feira, a Associação de Postos de Gasolina do Reino Unido (PRA), que representa cerca de dois terços de todos os 8.380 postos do país, disse  que 37% dos locais estavam sem combustível.

O impasse gerou apelos para que médicos, enfermeiras e outros trabalhadores essenciais recebessem prioridade no abastecimento de seus carros para manter os hospitais e serviços de assistência social funcionando, uma medida que Boris por enquanto tem resistido a implementar. Caso o problema persista, algumas escolas também cogitam o retorno do ensino à distância, abandonado desde o fim das restrições contra a Covid-19.

A situação lembra a década de 1970, quando a crise energética provocou o racionamento de combustível e a redução da semana de trabalho para três dias. Há quase 10 anos, manifestações contra o preço elevado da gasolina também provocaram um bloqueio das refinarias e paralisaram as atividades no país durante semanas.

Mike Grannat, ex-secretário de Contingências Civis, lembrou à BBC a resposta do então governo trabalhista de Tony Blair e criticou como Boris tem administrado a crise atual:

"[Blair] veio à público explicar aos cidadãos que eles deveriam se conter ou o sistema não se reequilibraria. Isso se chama liderança ", disse Grannat à BBC.

*Com Agências Internacionais