Prevent induziu competição entre médicos para impulsionar Kit Covid, diz dossiê
Grupos de WhatsApp eram utilizados para motivar os profissionais a baterem "metas" de prescrição dos remédios sem comprovação científica para o tratamento da Covid-19
A Prevent Senior induziu uma competição entre médicos para incentivar a prescrição do chamado Kit Covid, segundo dossiê com supostas irregularidades da empresa entregue à CPI da Covid e divulgado pelo Uol neste sábado (25).
Produzido por 12 profissionais da Prevent Senior, sendo que seis já são ex-funcionários, os documentos mostram que a competição incentivada pela diretoria da empresa aconteceu ao longo de 2020.
O Kit Covid é um conjunto de remédios sem eficácia comprovada cientificamente para tratar a Covid-19 que pode causar efeitos colaterais graves. O incentivo ao uso dos medicamentos pela Prevent Senior, muitas vezes sem o consentimento dos pacientes, é investigado pela CPI da Covid.
A competição do Kit Covid
De acordo com o dossiê entregue à CPI, os profissionais da Prevent Senior eram "controlados por gráficos que demonstravam o desempenho, induzindo a competitividade entre os médicos, que passaram a ter 'metas' de prescrição de medicamentos".
O cardiologista Rodrigo Esper, um dos diretores da operadora de saúde, divulgava esses gráficos em grupos de WhatsApp para os demais médicos, de forma a tentar engajar a equipe para a prescrição dos medicamentos.
Além de estimular o uso do Kit Covid, os grupos de WhatsApp também eram utilizados para cobrar os médicos nesse sentido. "Pessoal, não podemos perder o foco. Voltamos a ter rendimentos ruins. Não podemos perder o tônus. Ainda não atingimos o pico da epidemia e caímos o rendimento. Peço que imediatamente todos os tutores de plantão conversem com suas equipes e salientem a importância do tratamento precoce. Isso é muito importante! Obrigado", escreveu Esper em uma mensagem enviada junto com um gráfico de "inclusão do protocolo", em 10 de maio de 2020.
Ainda segundo o dossiê, em 11 de junho de 2020, o diretor da Prevent enviou outro gráfico ao grupo, seguido da mensagem: "Boa tarde, estamos com tendência a queda nas prescrições. Vamos reforçar com o grupo. Obrigado".
O documento não deixa claro para quais grupos de WhatsApp essas mensagens eram enviadas, mas relata que, nos dias de "pico", mais de 250 Kits Covid eram entregues aos pacientes.
Ameaça de demissão
As conversas mostradas no dossiê apontam para um abordagem supostamente motivacional a fim de forçar os médicos a prescreverem os medicamentos. Para a Prevent Senior, os profissionais não deveriam "deixar escapar a oportunidade" de entregar o Kit Covid "o quanto antes". "Acerte o alvo. O segundo dia de sintomas é o que queremos. E o melhor: a prescrição está na sua mão. E nós estamos com você", diz uma mensagem enviada em 12 de abril de 2020 por um dos diretores da Prevent Senior.
O dossiê ainda relata que o ambiente era de "ameaças e hostilidade", e os médicos que não prescrevessem o Kit Covid poderiam ser demitidos. "Perante a política de pejotização [quando funcionários são contratados como PJ] adotada pela empresa, as diretrizes são transmitidas aos médicos pelo aplicativo WhatsApp, uma vez que essa metodologia informal, em tese, reduziria o risco de possíveis demandas judiciais", diz o documento.
Em depoimento à CPI da Covid na última quarta-feira (22), o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, disse que nenhum funcionário foi demitido por se recusar a aplicar o "tratamento precoce".
Em nota enviada ao Uol, a Prevent Senior negou as denúncias e disse que elas são "sistemáticas e mentirosas levadas anonimamente à CPI da Covid e à imprensa". "Estranhamente, antes de as acusações serem levadas à comissão do Senado, uma advogada que representa esse grupo de médicos insinuou que as denúncias não seriam encaminhadas à CPI se um acordo fosse celebrado. Devido à estranheza da abordagem, a Prevent Senior tomará todas as medidas judiciais cabíveis para esclarecer os fatos e reparar os danos a sua imagem", continuou a empresa, que afirmou ter pedido para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue as acusações que se tornaram públicas.