CPI da Covid abre mão de investigar ministros e empresas
Comissão deve encerrar os trabalhos no mês que vem sem concluir todas as frentes de apuração; Braga Netto e suspeitos de disseminar ‘fake news’ sequer foram ouvidos
Chegando à reta final dos trabalhos, que devem se encerrar em setembro, a cúpula da CPI da Covid já admite deixar para trás algumas importantes linhas de investigação, seja por falta de tempo ou de consenso entre os senadores. A lista de itens que saíram do foco do colegiado traz desde importantes personagens do governo a gigantes da tecnologia , assim como indícios de descaso com a saúde da população indígena.
O papel do atual ministro da Defesa e ex-ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, foi alvo de diversas sessões da CPI, já que ele comandava a pasta responsável por coordenar boa parte das ações de enfrentamento à pandemia, um posto estratégico. Havia requerimentos solicitando que o ministro fosse obrigado a depor, mas eles não foram apreciados.
A convocação do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, que é próximo ao presidente Jair Bolsonaro, foi pedida três vezes, mas a CPI não chegou a votar o pleito. Dois requerimentos citam as suspeitas de uso da Abin para coletar informações contra governadores.
Relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), cita o tempo exíguo para justificar a dificuldade de se investir em todos as frentes.
"Nós vamos ouvir todo mundo que precisa ser ouvido. Estou dedicado a simultâneas tarefas. Vamos acelerar a investigação nesses dias que faltam. Eu estou fazendo uma análise criteriosa, isenta dos documentos e das informações que estamos recebendo. E estou dedicado ao relatório do desenho que devemos apresentar no começo da segunda quinzena de setembro".
A desinformação, abundante na pandemia, levou a comissão a aprovar em 23 de junho a convocação de representantes do Twitter, Facebook e Google. Antes disso, conforme mostrou O GLOBO em julho, as empresas de tecnologia já vinham procurando os senadores e trabalhando nos bastidores para sair do alvo . Ao fim, as suspeitas de ilegalidades na compra de vacinas praticamente monopolizaram a pauta e nenhum nome ligado às empresas foi convocado.
O chamado “Gabinete do Ódio”, grupo de servidores ligado diretamente ao clã Bolsonaro e suspeito de disseminar informações falsas, chegou a entrar na mira, mas o tema também não prosperou para além dos debates.
Em outra frente, a CPI recebeu documentos do Ministério da Saúde que revelaram prejuízos à vacinação na população indígena causados pela atuação de líderes religiosos e disseminação de “fake news”, como, por exemplo, a de que a imunização poderia transformar uma pessoa num jacaré. Outro relatório revelou a distribuição de cloroquina em aldeias pelo Brasil.
Falta de unidade
No xadrez político, ter maioria nem sempre basta. No caso da saúde indígena, por exemplo, há divergências sobre o assunto no chamado “G7”, grupo majoritário da CPI formado por senadores independentes e oposicionistas. A falta de unidade entre eles dificultou a aprovação de convocações de autoridades para explorar o tema. Ainda assim, a situação dos índios deve estar contemplada no relatório final.
Quem volta e meia entrava na mira da comissão era o ministro Paulo Gueds (Economia), cujo nome consta em quatro requerimentos de convocação não apreciados até aqui. Um deles cita a falta de previsão orçamentária para o enfrentamento da pandemia em 2021 como justificativa para a audiência.
A comissão chegou a aprovar um requerimento para ouvir Antônio José Barreto de Araújo Júnior, ex-secretário-executivo do Ministério da Cidadania, para falar da concepção do auxílio emergencial e de fraudes cometidas por pessoas que receberam o benefício indevidamente. Outros requerimentos sobre o tema nem foram votados, mas a investigação não avançou na CPI.