Marcelo Queiroga
Divulgação/Agência Senado/Jefferson Rudy
Marcelo Queiroga

Sob a condução de  Marcelo Queiroga, o Ministério da Saúde ficou “monotemático”. Enquanto aborda questões relativas à vacinação, deixa de lado demandas cruciais para conter o avanço da Covid-19. A crítica de gestores e especialistas da área é um reflexo do descumprimento de promessas feitas pelo ministro desde que assumiu a pasta, em março. A mais emblemática delas é a do programa de testagem em massa, que realizaria de 20 a 26 milhões de exames RT-PCR por mês, mas segue no papel há dois meses e meio.

A pasta chegou a apresentar uma prévia do programa a secretários estaduais de saúde, mas não finalizou. Tampouco anunciou o plano. Enquanto isso, a responsabilidade pela testagem recai em estados e municípios. Além da falta de materialidade desse programa, anunciado um ano e dois meses após o início da pandemia, há reclamações acerca da falta de posicionamento claro e da definição de estratégia em relação à contenção da variante Delta no país.

A estratégia anunciada pela Saúde, e que ainda não tomou forma, era testar semanalmente profissionais com alto risco de exposição ao coronavírus, como os de saúde, educação e segurança. Primeiro, haveria ampla testagem para casos sintomáticos. Depois, realizaria busca ativa em assintomáticos, pré-sintomáticos ou suspeitos. Por último, chegaria a vez da testagem por amostra da população, a fim de monitorar o contágio ao longo do tempo.

"(A importância da testagem) continua sendo grande desde que acompanhada de uma capacidade de fazer a genotipagem, porque, testando mais e fazendo mais genotipagem, a gente consegue ter ideia real da variante que está aparecendo", analisa o epidemiologista da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Lotufo, que critica as ações do ministério.

Os detalhes seriam definidos junto ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e ao Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que integram o comitê tripartite, com o objetivo de verificar a capacidade de realizar exames. Procurado, o ministério se limitou a responder que “em breve” divulgará o programa. Enquanto o Conass respondeu que não houve avanços, o Conasems não se pronunciou.

A percepção é que o ministério demora demais a responder às demandas urgentes da pandemia e utiliza a vacinação como “bengala” para mostrar serviço. Outra medida que flerta com o esquecimento do ministro é a divulgação de protocolo sanitário para transporte coletivo: a diretriz foi anunciada em abril, mas ainda não foi publicada e é considerada fundamental para conter a disseminação da Delta.

O avanço da cepa no país, que tem como as principais características ser mais transmissível e contagiosa, acendeu o alerta entre gestores, que temem uma terceira onda da Covid-19. No Rio de Janeiro, por exemplo, boletim divulgado em 23 de julho mostrou que um em cada quatro casos da doença no estado já é causado pela Delta.

"Falta de plano"
O cenário fez com que, na última terça-feira, o governador do Piauí e representante do Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias (PT), enviasse ofício ao Ministério da Saúde solicitando distribuição de maior aporte de doses da vacina para o estado. No documento, os governadores pedem “ações imediatas” por parte da pasta “de modo a evitar uma catástrofe de proporções ainda mais graves no futuro próximo, caso o atual ritmo de transmissibilidade da variante Delta não seja contido em tempo hábil”.

"Essa parte (relacionada à testagem) já não esperamos o ministério e cuidamos. A falta de um plano para conter a variante Delta é gravíssima. A partir de Rio de Janeiro e São Paulo pode se propagar a variante Delta para todo Brasil", declarou Dias ao GLOBO, afirmando que após o ofício o ministério entrou em contato com o Rio de Janeiro e garantiu que acertaria envio de doses de vacina também para São Paulo, mas sem mencionar outras medidas.

Além do reforço da vacinação, os gestores locais esperavam posicionamento claro do Ministério da Saúde em relação a outras estratégias para conter a transmissão da Delta, o que, segundo eles, até o momento não ocorreu. Entre as medidas, esperava-se orientação sobre identificação e monitoramento de casos; diretrizes sobre isolamento social; intensificação de recomendação das medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras; fiscalização do fluxo no transporte coletivo para evitar superlotação, entre outras ações.

No caso deste último ponto, há um atraso de quase quatro meses em relação a um anúncio feito por Queiroga sobre o tema. Em coletiva de imprensa em abril, o ministro afirmou que a pasta construiria uma diretriz sanitária para o transporte coletivo. Na mesma ocasião, segundo o secretário-executivo da Saúde, Rodrigo Cruz, o documento seria construído em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Regional.

Em entrevista ao GLOBO, em junho, Cruz afirmou que a portaria estava sendo finalizada e traria medidas relacionadas à higienização constante da frota, distanciamento dentro dos veículos, entre outras. Até o momento, no entanto, quase quatro meses após o primeiro anúncio, as medidas não foram publicadas pela pasta. O GLOBO questionou o ministério sobre o lançamento da portaria, mas não obteve resposta.

Uma ação que ainda não teve desfecho na pasta, mas, nesse caso, causa até alívio entre especialistas é o estudo para avaliar a necessidade de uso de máscaras após a vacinação. O protocolo para desobrigar o uso da proteção foi pedido pelo presidente Jair Bolsonaro em junho, mas não decolou. Em entrevista à imprensa no Palácio do Planalto, Queiroga disse que a medida está “caminhando”:

"À medida que o número de óbitos diminui e a gente avança na campanha de vacinação, logo, logo não precisaremos mais de máscara", afirmou em 26 de julho.

Apesar da declaração, não há detalhes de se, como e quando a medida ocorrerá. O posicionamento oficial da pasta é que a análise ocorre à medida em que o Brasil avança na vacinação, a exemplo de outros países. O estudo, sem data prevista para sair, ainda será revisado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Procurada, a instituição de ensino respondeu que só o ministério poderia conceder informações.

Perguntado sobre a necessidade do uso de máscara no atual cenário da pandemia no Brasil, o professor de Medicina da USP é categórico: “Total”.

Outro ponto de embate foi o protocolo de retorno para volta às aulas, realizado em conjunto com o Ministério da Educação (MEC). A portaria interministerial, que saiu com três semanas de atraso, foi publicada na quinta-feira com orientações genéricas. No evento de seu anúncio, na quarta, os ministros abordaram medidas que já haviam sido anunciadas em outubro e que não foram detalhadas no documento publicado no Diário Oficial.

Entre elas, estão distanciamento de estudantes em sala de aula, utilização de máscaras — de tecido, com troca a cada 3 horas, ou cirúrgica, a cada 4 horas — e aumento da frequência da limpeza nas escolas. A portaria publicada, contudo, é genérica não apresenta essas determinações que haviam sido anunciadas no evento.

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