CPI: Entenda os dois casos de denúncias de propina para compra de vacinas
Depoimentos na comissão levantaram suspeitas sobre atuação do Ministério da Saúde e do governo Bolsonaro na compra de vacinas
Duas denúncias de suspeitas de irregularidades e corrupção em contratos de compra de vacinas no Ministério da Saúde agitaram a CPI da Covid e o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). São elas: o caso das supostas irregularidades no contrato de compra de 20 milhões de doses da vacina Covaxin ; e a denúncia de que o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Dias teria pedido propina de US$ 1 por dose da vacina AstraZeneca .
Em depoimento à CPI, o autor da denúncia da propina, o policial militar e representante comercial Luiz Paulo Dominguetti, chegou a tentar incriminar o deputado Luís Miranda , que denunciou o caso Covaxin. Confira as principais perguntas e repostas dos dois casos.
Caso Covaxin
O que é o Caso Covaxin?
A denúncia partiu do servidor de carreira do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, que trabalha na área de importação da pasta, e do irmão dele, o deputado Luis Miranda (DEM-DF). Eles revelaram a existência de irregularidades contratuais durante a negociação e uma pressão atípica para a compra da vacina indiana Covaxin.
A negociação envolvia a compra de 20 milhões de doses do imunizante, em contrato de R$ 1,6 bilhão. Segundo o servidor, as transações previam um pagamento adiantado de US$ 45 milhões para a empresa Madison Biotech, que não faria parte do contrato assinado entre o Ministério da Saúde e a Precisa, representante da Bharat no Brasil.
Quem é Luis Miranda?
Empresário e youtuber foi eleito deputado em 2018 na onda bolsonarista e integrava a base do governo na Câmara até denunciar o caso Covaxin e se tornar alvo dos apoiadores do presidente. Seu canal no Youtube "Luis Miranda USA" possui 650 mil inscritos.
O que os irmãos Miranda falaram na CPI?
O servidor Luis Ricardo afirmou que, após se recusar a assinar um documento referente à importação da Covaxin, foi pressionado por integrantes do Ministério da Saúde para dar aval ao contrato. Ele teria então relatado o caso ao irmão deputado, e Luis Miranda decidiu levar a denúncia ao presidente Bolsonaro.
Eles contam que se encontraram pessoalmente com o presidente no dia 20 de março para denunciar as suspeitas. Ainda de acordo com o servidor e o deputado, Bolsonaro teria se comprometido a encaminhar o caso à Polícia Federal (PF). Porém, a PF só abriu investigação após o caso vir à tona.
Quem está envolvido na denúncia?
A empresa que receberia os pagamentos pela vacina Covaxin, segundo um recibo entregue ao Ministério da Saúde, é a Madison Biotech, em Cingapura. A firma não é nem a Precisa Medicamentos, responsável pela venda da vacina no Brasil, nem a Bharat Biotech, fabricante indiana. O nome da Madison também não figurava nos contratos em negociação com o Ministério da Saúde.
Além disso, o servidor disse que, na conversa com Bolsonaro, citou os nomes dos servidores que o pressionavam: Alex Lial Marinho, o coronel Marcelo Bento Pires e Roberto Ferreira Dias , que negou as acusações.
Como surgiu o envolvimento de Ricardo Barros?
No depoimento à CPI, Luis Miranda disse que, ao fazer a denúncia a Bolsonaro, o presidente teria dito "Vocês sabem quem é, não é? Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, não é?". Após ser pressionado pelos senadores, ele acabou revelando que a pessoa mencionada pelo presidente que seria responsável pelo caso era o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros . Ele nega as acusações e diz que está a disposição para prestar esclarecimentos.
Como a denúncia gerou suspeita de prevaricação de Bolsonaro?
Como os irmãos Miranda afirmaram que informaram pessoalmente Bolsonaro sobre o que estava ocorrendo, e ainda não ficaram claras as medidas que o presidente tomou, a CPI levantou a suspeita de uma possível prevaricação do presidente. Três senadores pediram ao Supremo Tribunal Federal abertura de investigação. Após tentar postergar a apuração para depois do encerramento dos trabalhos da CPI, a Procuradoria-Geral da República (PGR), pressionada pelo Supremo, instaurou inquérito para investigar se o presidente cometeu prevaricação no caso.
Denúncia de propina na Saúde
O que é a denúncia de propina?
Em depoimento dado à CPI da Covid na quinta-feira, o policial militar e representante comercial Luiz Paulo Dominguetti reafirmou que o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias lhe pediu propina para fechar um contrato de compra de vacinas. Porém, durante a sessão ele surpreendeu os senadores ao citar o deputado Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou supostas irregularidades na pasta, insinuando que o parlamentar teria envolvimento na compra de imunizantes. O depoimento causou confusão e bate-boca entre senadores governistas e de oposição e quase terminou com a prisão do depoente.
Quem é Luiz Paulo Domiguetti?
Natural de Três-Corações (MG), Dominguetti é policial militar em Alfenas (MG). Ele afirmou à CPI que passou a comercializar produtos farmacêuticos para "complementar sua renda". Segundo o PM, ele teria passado a atuar em nome da Davati Medical Supply nas tratativas com o Ministério da Saúde após um acordo verbal com o representante da empresa no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho. A Davati negou o vínculo oficial de Dominguetti com a fornecedora, porém documento enviado pela empresa ao governo, obtido pelo GLOBO, incluiu o nome do PM como intermediário da negociação.
Por que ele foi convocado à CPI da Covid?
A convocação ocorreu após entrevista dada ao jornal "Folha de S. Paulo", onde Dominnguetti denunciou que recebeu um pedido de propina do ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, ao oferecer uma remessa de 400 milhões de vacinas contra Covid-19 da AstraZeneca ao Ministério da Saúde.
O que ele falou na comissão?
Dominguetti reafirmou as declarações dadas a "Folha" de que Roberto Ferreira Dias lhe pediu propina para fechar o contrato de compra de vacinas. O PM disse também que foi apresentado a Dias pelo coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco, que ocupava cargo na pasta. Segundo Dominguetti, eles jantaram juntos, em fevereiro deste ano, em restaurante de um shopping em Brasília.
Como ele envolveu Luis Miranda e o que tinha no áudio?
Na CPI, Dominguetti exibiu um áudio de outubro de 2020, editado, em que Luis Miranda aparece falando da compra de um produto farmacêutico, sem especificar qual. Inicialmente, Dominguetti disse que se tratava de uma prova de que o deputado teria tentado negociar vacinas com a Davati. Instado a dar mais detalhes, ele acabou recuando.
Luis Miranda tentou participar da sessão, mas foi retirado. Ele registrou ata em cartório para comprovar que trocou mensagens e áudios com Rafael Alves, representante da Davati, entre setembro e outubro de 2020, mas em uma negociação de luvas cirúrgicas para o mercado interno dos Estados Unidos.
Por que Dominguetti teve o celular apreendido?
Após levantar suspeitas contra o deputado, o vendedor alegou que não tinha mais certeza sobre o contexto do áudio e que, por isso, não era possível fazer juízo de valor. A hesitação irritou senadores. Alguns, como Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pediram, sem sucesso, para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), decretar sua prisão. A CPI, entretanto, apreendeu o celular do depoente. Pressionado, Dominguetti disse então que o áudio lhe havia sido repassado pelo empresário Cristiano Alberto Carvalho e que poderia ter sido induzido ao erro. Cristiano negou que o áudio se tratasse de negociação de vacinas, como foi alegado.
Por que a oposição desconfiou que ele poderia ser uma 'testemunha plantada'?
As suspeitas levantadas sobre Luis Miranda, que denunciou irregularidades na pasta e uma suposta prevaricação por parte do presidente Bolsonaro, fez a oposição reagir levantando a possibilidade de Dominguetti estar a serviço do governo. Senadores passaram a insinuar que ele teria sido “plantado” na CPI para tentar desacreditar o depoimento de Miranda e de seu irmão.
— Estamos diante de um bode na sala. A pergunta é se o bode veio espontaneamente ou foi plantado. Me refiro ao áudio — afirmou na sessão a senadora Simone Tebet (MDB-MS).