Consultas públicas sobre voto impresso confundem eleitores: elas são relevantes?

Mais de 1 milhão de pessoas votaram em uma consulta pública no Senado acreditando estarem votando no projeto de lei que propõe o voto impresso que, na verdade, tramita na Câmara dos Deputados

Foto: Foto:Ricardo Moraes/Reuters - 28.10.2018
Presidente Jair Bolsonaro defende voto impresso nas eleições de 2022

Nas últimas semanas, brasileiros têm se envolvido em intensas discussões sobre uma possível mudança no sistema eleitoral . O próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defende que as eleições de 2022 sejam feitas com voto impresso como forma adicional de auditar o pleito.

No dia 13 de maio, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) , instaurou uma  comissão especial para examinar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso . Mas desde antes disso, mensagens que circulam nas redes sociais estimulam a população a opinar sobre o assunto votando em uma consulta pública do Senado. Mais de 1 milhão de pessoas já participaram do questionário sobre a Sugestão 9/2018 , que propõe a adoção do voto impresso em 100% das urnas eleitorais. 

Seria um grande exemplo de cidadania e participação popular se essas mensagens não estivessem transmitindo uma informação errada . O Senado ainda não apreciou o projeto sobre voto impresso. Logo essa consulta pública não diz respeito à PEC que está sendo examinada pela comissão especial de deputados. Mas então, as pessoas estão votando no que?


Explicando a Confusão

Enquanto acreditam que estão opinando sobre a PEC 135/19 , apresentada à Câmara dos Deputados pela deputada Bia Kicis (PSL- DF) em 2019, os mais de 1 milhão de votantes estão se manifestando em uma consulta que diz respeito a uma Ideia Legislativa apresentada ao Senado em 2018. 

Qualquer cidadão pode propor uma ideia para criar novas leis ou alterar as leis atuais no portal e-Cidadania, do Senado . As Ideias Legislativas que recebem 20 mil apoios em até 120 dias são encaminhadas para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e formalizadas como Sugestões Legislativas. 

A Ideia sobre a adoção do voto impressão em 100% das urnas recebeu em um mês os 20 mil apoios necessários para ser analisada pelos senadores e, por isso, foi transformada em sugestão. Agora, precisa ser votada pelos senadores que integram a CDH.

Se aprovada, pode ser transformada em projeto de lei e, só então, começaria o processo legislativo propriamente dito. Se avançar e for aprovada pelo Senado, a proposta ainda terá de ser analisada pela Câmara dos Deputados e se aprovada, poderá ser encaminhada à sanção presidencial para, então, ser transformada em lei .

Enquanto isso, a PEC 135/19 que tramita na Câmara dos Deputados se for aprovada, ainda terá que passar pelo Senado para depois ser promulgada como emenda à Constituição .

A respeito dela, a população também pode opinar, só que nesse caso, no site da própria Câmara . Lá o cidadão tem mais opções de voto além de SIM ou NÃO oferecidos pelo site do Senado e também pode escrever pontos positivos ou negativos a respeito da proposta. 

Diferentemente do caso da Sugestão9/2018, a votação da PEC 135/19 é mais tímida. Pouco mais de 55 mil votos foram computados até a publicação desta matéria. Outro ponto de diferença é o resultado da votação. Enquanto no site do Senado a disputa sobre a adesão do voto impresso é mais equilibrada, variando na casa dos 50% a favor e 50% contra, na Câmara dos Deputados, mais de 90% dos votantes dizem concordar totalmente com a proposta de emenda constitucional.

Além disso, ao contrário do que as mensagens que circulam na internet dizem, não há prazo para que os cidadãos votem nas consultas. Elas ficam disponíveis, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, desde a apresentação da proposta até o final da tramitação.

Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE
Urna eletrônica e leitor biométrico


As consultas públicas impactam nas decisões?

Mas afinal de contas, esse tipo de consulta pública impacta nas decisões finais dos políticos? Para Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, a consulta pública funciona como um " termômetro " para os parlamentares. Ela tem o propósito de sondar a opinião do público sobre determinado assunto. Mas tem pouco efeito prático para além disso.

“É um instrumento que tem de ser visto com cuidado, porque muitas vezes esse tipo de enquete é alvo de mobilização de uma determinada comunidade que tem um tipo de anseio específico. Muitas pessoas têm uma expertise muito grande nas redes sociais e podem se utilizar disso para tentar manobrar os resultados dessas consultas, ela não necessariamente reflete a realidade dos fatos ”, explica Consentino. 

O próprio site do Senado explica que os relatores e demais senadores não precisam seguir o resultado da votação . Ela somente tem o propósito de sinalizar a opinião do público que participou da consulta, de modo a contribuir com a formação de opinião de cada senador.

“Estamos perdendo”


Nas redes sociais tem sido cada vez mais comum ver perfis incentivando a participação pública em consultas. Inclusive políticos. No último dia 21, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)  divulgou em sua conta pessoal no twitter a consulta pública sobre o Projeto de Lei Complementar (PLP) 73/2021, que garante ações financeiras emergenciais voltadas ao setor cultural. Na publicação, ele incentivou seus seguidores a votarem NÃO na pesquisa.

A repercussão na rede foi bem clara. Quem apoia o deputado, rapidamente diz que se posiciona da forma que ele indicou. Já aqueles que são contrários a ele, dizem que votarão SIM para se opor ao político.

"Se a família Bolsonaro está de um lado, eu estou do outro! VOTE SIM!", tuitou um internauta em resposta ao deputado. "Estamos perdendo para o NÃO! #VOTESIM", disse outro. São inúmeros os posts de pessoas que, aparentemente, só votaram a partir da declaração do político e não se aprofundaram a respeito do projeto.

Para Carlos Eduardo Moreira Valentim , sócio fundador do Valentim Advogados e especialista em direito público, isso ocorre por dois motivos: falta de educação básica em cidadania e polarização política. 

“Com a polarização atual cria-se uma lógica: se sou a favor do governo vou apoiar tudo o que favorece o governo, se sou contra vou apoiar tudo o que o desfavorece e vice e versa”, explica Valentim. 

“No Brasil, falta uma base de educação pública em cidadania, o que reflete em uma ignorância política”, complementa o advogado. Segundo ele, é por isso que as pessoas têm dificuldades de distinguir as atuações de cada poder e, para complicar mais a situação, muitas discussões políticas ocorrem fora das esferas competentes. 

Formas mais participativas 

Uma outra forma de participar mais ativamente no processo legislativo é acompanhando audiências públicas , sabatinas e eventos abertos. É possível enviar comentários, perguntas, críticas ou sugestões durante as audiências. 

Na tramitação da PEC 135/19, uma audiência pública já foi requerida para  discutir a proposta de voto impresso a partir da urna eletrônica.