Novos documentos contradizem versão de Pazuello sobre TrateCov não disponível
Relatório sobre ações adotadas em janeiro passado apontam a "disponibilização" do aplicativo de diagnóstico e que "Manaus é a primeira cidade a utilizar" a plataforma
Novos documentos indicam que o aplicativo TrateCov foi oficialmente lançado e colocado no ar em Manaus, em janeiro, ao contrário do que diz o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello , à CPI da Covid no Senado, de que havia sido apenas apresentado "ainda não concluso". Um ofício da pasta assinado pelo próprio Pazuello com as ações tomadas entre os dias 6 e 16 de janeiro deste ano, momento em que a cidade passava por uma crise de falta de oxigênio, mostra, contudo, que o aplicativo foi, sim, disponibilizado para o uso.
O ofício foi assinado por Eduardo Pazuello no dia 17 de janeiro. Três dias antes, Manaus sofreu um colapso no sistema público de saúde por falta de oxigênio medicinal e superlotação dos hospitais, com mortes de pacientes asfixiados. No documento, Pazuello deixa claro que o aplicativo foi desenvolvido, lançado e disponibilizado pela pasta no período que vai de 6 a 16 de janeiro.
Entre as ações descritas pelo relatório, está: "Desenvolvimento, lançamento e disponibilização da plataforma digital de auxílio à decisão clínica TrateCov Brasil (tratecovbrasil.saude.gov.br)". Em outro trecho, Pazuello enfatiza que Manaus seria a primeira cidade do Brasil onde o sistema seria usado.
"O objetivo do TrateCov é, por meio do uso inteligente de dados e evidências científicas, conferir maior segurança e precocidade no diagnóstico clínico e tratamento da COVID19, visando a redução do risco de internações e óbitos, conforme a literatura científica. Manaus é a primeira cidade a utilizar o TrateCOV", diz o ofício.
O documento é mais um indicativo que coloca em xeque a versão que Pazuello vem apresentando à CPI sobre o TrateCov nesta quarta-feira, no primeiro dia de depoimento, e nesta quinta-feira.
Ontem, o GLOBO mostrou vídeos
em que o ex-ministro anunciou o lançamento do aplicativo no dia 11 de janeiro em Manaus e a secretária de Gestão de Trabalho da pasta, Mayra Pinheiro, idealizadora da plataforma, afirma a uma plateia em evento:
"A partir desse momento, nas plataformas do ministério, vocês já podem baixar o aplicativo. Os gestores já podem demandar a utilização pelos seus profissionais que estão lá na ponta atendendo, sobretudo nas UBS (unidades básicas de saúde)"
Um outro documento, de 6 de janeiro, assinado também por Pazuello com o "Plano Manaus", listava as ações a serem tomadas. Uma delas era: "Disponibilizar, para o Estado do Amazonas, o aplicativo desenvolvido para facilitar o diagnóstico de Covid-19", conforme mostrou o GLOBO .
Nesta quinta-feira, Pazuello voltou a dizer que o aplicativo foi "apresentado ainda não concluso" e que ele determinou a retirada da plataforma do ar ao saber de um "roubo" do sistema, que foi "hackeado, puxado por um cidadão" durante a apresentação em Manaus.
Ainda segundo o ex-ministro, essa pessoa "alterou com dados lá dentro, e colocou (o aplicativo) na rede pública". Pazuello afirmou que "uma investigação chegou a essa pessoa", após um boletim de ocorrência, sem dar detalhes sobre a apuração ou o órgão responsável por ela.
Silêncio sobre cloroquina para crianças
Pazuello também não respondeu se o TrateCov recomendava cloroquina para gestantes e crianças. A imprensa mostrou que o remédio era indicado até para bebês, antes de ser retirado do ar pelo governo, no dia 21 de janeiro, sob a justificativa de que era "um projeto-piloto" que havia sido “invadido e ativado indevidamente”.
O ex-ministro foi interpelado por duas vezes a respeito do assunto pelo senador Omar Aziz (PSD-AM). "Através desse programa, o Ministério da Saúde recomendava cloroquina para gestantes e crianças. o senhor confirma isso?", questionou Aziz.
Pazuello manteve-se calado, após pegar um papel com um assessor. O senador Eduardo Braga (MDB-AM), então, perguntou: "O senhor concluiu, general?"
Então, o ex-ministro se voltou a Aziz, com ar confuso, dizendo que ele tinha feito "outra pergunta". Ao que Aziz afirmou: "O Ministério da Saúde recomendou o uso de cloroquina para crianças e gestantes. Há sim uma recomendação do Ministério da Saúde. Estou lhe afirmando porque como Manaus foi o único local que teve esse aplicativo e essas recomendações".
"Fizeram publicidade de médicos, inclusive com um ginecologista, sobre o TrateCov", bradou Eduardo Braga.
Sem responder sobre a indicação a crianças e gestantes, Pazuello então afirmou: "O TrateCov, no final das contas, nunca foi utilizado por médico algum. Não teve resultado objetivo algum. Ele foi retirado, descontinuado".
Ao ser confrontado com documentos do ministério sobre as ações em Manaus, que mencionam o TrateCov, Pazuello voltou a repetir que o aplicativo, apresentado a ele como uma ideia da secretária Mayra Pinheiro em 6 de janeiro, foi desenvolvido nos quatro dias seguintes. Até que, em Manaus, foi "mostrado como estava o desenvolvimento e se já podia dali concluí-lo ou não".
Não foi, porém, o que disse Mayra Pinheiro na ocasião, em 11 de janeiro, em Manaus: "Hoje a gente lança em primeira mão, o estado do Amazonas é o primeiro estado do Brasil que recebe o aplicativo TrateCov. (...) Então nós estamos oferecendo hoje ao povo brasileiro, aos médicos e enfermeiros que vão ajudar usando esse aplicativo. Vamos agilizar o diagnóstico sem que a gente espere, como o nosso ministro já falou, as tomografias, as ressonâncias, os testes de RT-PCR que às vezes demoram alguns dias até obtermos os resultados".
A secretária falou no evento na capital amazonense com o aval de Pazuello, que discursou antes dela, anunciando: "Hoje vai ser lançada uma plataforma, a Mayra vai falar sobre isso, que vai permitir que o próprio prefeito cobre o protocolo de atendimento. É uma plataforma com o protocolo e o protocolo vai nos dar mais de 85% de acerto. Tá bom, né? Mais a capacidade do médico, chegamos em 100%".
Informações oficiais do próprio governo contrastam com as informações apresentadas por Pazuello. O site da Casa Civil, no dia 14 de janeiro, publicou matéria sobre sobre o aplicativo, informando que, naquele momento, 342 profissionais já tinham sido habilitados na plataforma e que a capital do Amazonas havia sido "escolhida para o TrateCov".