Vaza Jato: como indefinição no STF sobre licitude de provas emperra casos
Conversas entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro aguardam serem pautadas na Corte para que ministros decidam sobre legalidade
Quase dois anos após a primeira vez que trechos de conversas no Telegram entre procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro foram divulgadas, está parado no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que a Corte decida sobre a licitude de diálogos obtidos na Operação Spoofing . O conjunto de dados é bem maior do que as informações que o site The Intercept Brasil teve acesso para produzir a série de reportagens da Vaza Jato . Diante dessa indefinição, dúvidas surgem sobre a possibilidade de uso como provas e já houve, inclusive, situações em que os diálogos foram citados em julgamento mesmo sem estarem anexos em processos.
Uma ocasião em que isso ocorreu foi no julgamento da parcialidade de Moro, quando o ministro Gilmar Mendes devolveu seu pedido de vista do caso e o colocou de volta em pauta na Segunda Turma do STF após dois anos parado. Os responsáveis por trazerem o tema das conversas foram o próprio Gilmar e o ministro Ricardo Lewandowski, embora a defesa do ex-presidente Lula não as tivesse usado como argumento.
Ao fim do julgamento, o placar foi de 3 a 2 para que Moro fosse declarado parcial . O que surpreendeu, no entanto, foi a atitude da ministra Cármen Lúcia, que pediu para se manifestar e mudou seu voto. Anteriormente, Cármen Lúcia tinha entendido que o ex-juiz não tinha sido parcial, mas a avaliação de bastidor foi a de que ela se espantou com o teor das conversas com procuradores, já que na primeira vez em que se manifestou ninguém tinha conhecimento sobre o caso.
Para o professor Rubens Beçak, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), tais conversas entre Moro são "estapafúrdias" e não deveriam ser usadas como provas. "São conversas obtidas por um hacker por meio de crime. Essas mensagens são uma prova muito frágil", disse.
Segundo o especialista, a inclusão dos diálogos em autos de processos "vai contra toda a evolução do instituto jurídico". “Isso representa uma violação do sigilo de todas as pessoas, já que escutas e interceptações são utilizadas somente por ordem judicial. É uma distorção do espírito da jurisprudência sobre escutas ilegais que desmonta o que vinha sendo construído nos últimos anos”, completou Beçak.
Um dos principais argumentos de quem é a favor de que as conversas sejam utilizadas é o de que a Polícia Federal (PF) já fez a perícia dos dados e que, portanto, não teriam sido adulteradas. Para Beçak, porém, essas mensagens devem ser chamadas de “indícios de provas” por terem sido obtidas "ao arrepio de procedimentos legais".
"A mudança de entendimento da ministra Cármen Lúcia foi uma fala para inglês ver", afirmou o professor de Direito, ao entender que o STF só vai mudar seu posicionamento quando for conveniente. "Quem viver, verá. O STF só deve pautar essa questão por conveniência. Vai demorar um pouco. Não vejo nada que faça o STF adiantar esse julgamento", completou.
Já quem defende a não utilização das mensagens diz que existe chance de adulteração por parte dos hackers que fizeram a interceptação, como se manifestou várias vezes o ministro Luís Roberto Barroso. Barroso faz parte da ala chamada punitivista do STF, grupo que toma decisões que costumam favorecer a força-tarefa da Lava Jato.
Crimes digitais são "terreno pantanoso" para o STF
Na avaliação do professor de Direito da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, o motivo para o STF demorar para decidir sobre a autenticidade das mensagens se deve ao motivo de crimes digitais ainda serem um “terreno pantanoso” para a Corte.
"É um terreno muito pantanoso para o STF por envolver a internet e o ambiente digital. Para a Corte, falta concretude, não tem nada que tenha peso de prova mais clara como marca de sangue ou uma faca, por exemplo", analisa.
No caso específico de Moro, Beçak acredita que as conversas do Telegram nem devem ser usadas pela defesa do ex-presidente Lula. Na interpretação do especialista, elas são válidas para defender o petista, mas o que ocorre é que decisões estão sendo tomadas para punir Moro, como ocorreu no caso do julgamento da parcialidade do ex-juiz, e não necessariamente inocentar Lula.
"Esse tipo de informação só deve ser utilizada para prova de inocência, e não acusação. Isso vai representar um grande dano para aqueles que sofrem crimes cibernéticos", concluiu o professor.