Lira fez discurso duro para 'Congresso não afundar junto' com o governo
Nos bastidores, presidente da Câmara já avisava que faria um gesto público se governo não mudasse de postura
O duro discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recheado de recados ao Palácio do Planalto, foi fruto da pressão política. Nesta quarta-feira, em plenário, ao tratar da pandemia, Lira disse que "tudo tem limite". Insatisfeito, lembrou de remédios "amargos" e "fatais", em referência a um processo de impeachment.
Durante a semana, líderes externaram ao próprio Lira que não estão dispostos a "afundar junto com o governo". A política sanitária de Jair Bolsonaro é considerada temerária por aliados do presidente da Câmara.
Preocupado com a deterioração política e sem condições de avançar na tramitação das reformas, Lira resolveu agir. Segundo deputados do Centrão ouvidos pelo GLOBO, o discurso foi um gesto "esperado", para cessar as cobranças de colegas por um posicionamento mais firme. Segundo o próprio Lira, o discurso teve o propósito de acionar "um sinal amarelo".
Enquanto Bolsonaro continua a enfrentar governadores e atacar medidas de isolamento, a reunião entre poderes foi vista como um gesto político inócuo. O problema, identificado pelos parlamentares, é a postura do próprio Bolsonaro e as consequências de suas crenças. O presidente continua a defender o tratamento precoce, sem amparo científico, e vacila na condução da política externa, considerada fundamental para a importação de insumos e compra de vacinas.
Mesmo depois reunir representantes dos três poderes, o discurso do presidente da República continuou o mesmo, principalmente com a defesa do tratamento precoce. A postura intensificou a clima de insatisfação. No início da semana, Lira avisou a aliados que criticaria o governo "na quarta-feira" se não houvesse indícios de que o governo mudaria o discurso. Foi o que ocorreu.
Nos bastidores, o deputado doutor Luizinho (PP-RJ), liderança da frente da saúde na Câmara e nome preferido do Centrão, preterido para substituição de Eduardo Pazuello, tem feito alertas diários. Avisa que as mortes podem chegar a marca de 5 mil por dia se não houver mudança de rumo no enfrentamento à pandemia.
Em plenário, líderes que normalmente são comedidos começaram a expressar a insatisfação em tom elevado. Efraim Filho (DEM-PB), por exemplo, cobrou o fim do acirramento político promovido por Bolsonaro.
— O Brasil consegue, por muitas vezes, ser uma Nação de uma só torcida, de uma só camisa, de um só povo. Por isso, chega desta briga de brasileiros com brasileiros. Chega de divergências políticas. Basta! A sociedade já deu seu recado: ela está cansada. Não é mais hora de nós contra eles. É hora de nós contra o vírus. É hora de o Brasil contra o vírus.