Câmara aprova admissibilidade da PEC que dificulta prisão de parlamentares
Proposta que protege parlamentares gera reação e é chamada de ‘PEC da Impunidade’ no STF
Em uma ação relâmpago que durou cerca de 24 horas, a Câmara dos Deputados deu na noite desta quarta-feira o primeiro passo para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta a imunidade dos parlamentares, dificultando prisões e relaxando regras da Lei da Ficha Limpa. O teor do texto e a rapidez com que foi elaborado geraram reações dentro e fora do parlamento.
Por 304 votos, com 154 contrários, o plenário da Câmara aprovou a constitucionalidade da proposta assinada majoritariamente por deputados do Centrão e aliados do presidente Jair Bolsonaro, sob articulação do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Nos corredores do Supremo Tribunal Federal (STF), a PEC da Imunidade,
como vem sendo chamada na Câmara, foi apelidada de PEC da “Impunidade”, sendo apontada como motivo para um possível estremecimento na relação da Corte com o Congresso.
Na própria Câmara, parlamentares atacaram a iniciativa, que surgiu na esteira da prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), detido desde a semana passada por ordem do STF, após atacar ministros da Corte e incitar a violência contra eles em vídeo publicado nas redes sociais.
Se a PEC já estivesse em vigor, Silveira não poderia ter sido preso em flagrante, assim como a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido, não teria sido afastada do mandato por determinação da Justiça do Rio. Outras mudanças na proposta determinam que buscas e apreensões contra parlamentares em suas residências ou nas dependências do Congresso só são válidas se referendadas pelo plenário do Supremo.
Lira defende
O presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), que deu aval para o grupo que redigiu a PEC, saiu em defesa do texto. Ele disse que “não é a PEC da impunidade”. Pouco antes de o plenário iniciar sessão sobre o assunto, Lira reagiu às críticas de que o texto seria elaborado para evitar qualquer punição a deputados e senadores.
Ele também recorreu ao Twitter. “Não sou a favor nem contra qualquer solução legislativa específica sobre a proteção do mandato, que não protege o parlamentar, mas a Democracia. Sou a favor, sim, que o Congresso faça sua autocrítica e defina um roteiro claro e preciso para o atual vácuo legal para lidar com situações desse tipo”, escreveu.
Durante a sessão, que começou a analisar a admissibilidade da PEC, ou seja, se ela cumpre os requisitos de constitucionalidade para poder ser apreciada no mérito, o líder do Cidadania, Alex Manente (SP), criticou a forma apressada como o texto estava sendo deliberado:
"Não podemos fazer isso como se fosse um pastel numa feira, da maneira como estamos fazendo. Podemos transformar essa limitação numa impunidade. Esse é o risco que pode se correr se não debatermos uma mudança constitucional".
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) também criticou a redação do texto:
"Uma PEC às vezes demora anos para ser votada. Essa PEC serve para a blindagem, turbinar o foro privilegiado, autobenefício, não tem nem relatório pronto. Coletou em tempo recorde as assinaturas. E ontem o texto ficou pronto".
Um ministro do Supremo consultado pelo GLOBO avaliou que o Congresso tinha sido respeitoso com o tribunal ao confirmar a prisão de Silveira. Mas, ao analisar a PEC, considera que a Câmara estaria cometendo uma espécie de afronta. Integrantes da Corte veem a proposta como uma resposta casuística para o caso Daniel Silveira que pode, inclusive, azedar as relações entre Congresso e Supremo.
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), juiz Eduardo André Brandão, afirmou que o Congresso tem competência para discutir esse assunto, mas também manifestou a opinião de que a forma apressada passa a impressão de ser uma retaliação à prisão de Silveira:
"Uma PEC dessas, de uma forma tão rápida, nesse momento acaba parecendo uma retaliação à decisão do STF".
O ex-juiz Márlon Reis, considerado o idealizador da Lei da Ficha Limpa, apontou preocupação com as modificações propostas pela PEC. Na prática, a proposta afrouxa a regra para ser considerado inelegível, ao estabelecer que isso só ocorre após condenação “em duplo grau de jurisdição”, enquanto a lei atual fala em “colegiado” apenas.
“A PEC proposta traz como uma das consequências uma grave adulteração da Lei da Ficha Limpa. Titulares de mandatos ficarão praticamente imunes a essa grande conquista popular”, afirmou o ex-juiz em nota.
A PEC recebeu a assinatura de 186 deputados. Entre eles há integrantes do Centrão, como o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR). Apoiaram também líderes de partidos: Rodrigo de Castro (PSDB-MG), Efraim Filho (DEM-PB) e Isnaldo Bulhões (MDB-AL). Bolsonaristas como Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e o próprio Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também aderiram. Em menor número, parlamentares de PDT e PSB, siglas da oposição, também assinaram.