Saúde, educação e violência: os desafios do novo governador do Rio de Janeiro

Estado prevê chegar ao fim de 2021 com um déficit fiscal de R$ 26,09 bilhões, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)

Castro passou a responder pela governadoria depois que o titular, Wilson Witzel, foi afastado
Foto: Carlos Magno/Governo do Estado do Rio de Janeiro
Castro passou a responder pela governadoria depois que o titular, Wilson Witzel, foi afastado

Com a corrupção respingando nos altos escalões do governo, a violência estampada nas mortes de quinta-feira no Morro de São Carlos, a saúde em frangalhos e um Regime de Recuperação Fiscal (RRF) ameaçado, o que não vão faltar são desafios para o governador em exercício Cláudio Castro. Ele assumiu o cargo anteontem, tendo na jugular também os desdobramentos da pandemia do novo coronavírus, que afetam da educação aos transportes públicos.

É certo que os rumos no Palácio Guanabara ainda podem mudar. A previsão é que na quarta-feira a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) analise o afastamento do governador Wilson Witzel — que enfrenta também um processo na Assembleia Legislativa do Rio que pode levá-lo ao impeachment. Mas Castro terá que agir logo, diante das urgências de um estado que, para completar, prevê chegar ao fim de 2021 com um déficit fiscal de R$ 26,09 bilhões, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano que vem.

Politicamente, um dos pontos em jogo é a relação com o presidente Jair Bolsonaro. E nesse quesito, na avaliação do cientista político Paulo Baía, da UFRJ , o mandato de Castro pode ser uma inflexão no que se viu até agora, apaziguando um pouco os ânimos com o Executivo federal.

"Castro já vinha sinalizando um entendimento. Ele não é concorrente do Bolsonaro . Portanto, leva a uma ideia de que será facilitada a renegociação do ajuste fiscal do Estado, tema que é fundamental para equilíbrio do Rio. Acredito que essa será uma ação imediata de Castro, mesmo se não tiver a perspectiva de ficar no governo por mais tempo", diz Baía.

O cientista político espera também novas estratégias na segurança pública, deixando para trás a política do “tiro na cabecinha”. O reorientação, segundo ele, ocorria em função das decisões do Supremo Tribunal Federal ( STF ) que proibiram operações em favelas. E até devido à relação do governador em exercício com pastorais da Arquidiocese do Rio, como a de Favelas.

"Acredito que se retome um nível de diálogo com as comunidades, principalmente as favelas da capital e da Baixada Fluminense", afirma Baía.

Invasão de favelas

A guerra que se travou na última quinta-feira no Complexo São Carlos, no Rio Comprido, durante tentativa de invasão por criminosos de uma facção rival de traficantes, que deixou uma mulher morta ao tentar proteger seu filho, foi um indicativo de que a violência está longe de ser arrefecida no Rio. E é um dos principais desafios que o governador em exercício terá pela frente, já que o projeto bélico de Wilson Witzel não trouxe resultados.

Outra questão pendente é a queda de braço entre o STF e o estado. O plenário da Corte suspendeu as operações policiais em comunidades durante a pandemia, a não ser em casos excepcionais, que devem ser justificados por escrito e comunicadas ao Ministério Público estadual. Em meio à proibição, a PM realizou uma ação na Cidade de Deus.

Especialistas em segurança pública divergem quanto à decisão do STF. O sociólogo Paulo Storani, ex-policial do Bope, teme que a medida provoque retomada da violência. Outros defendem que o grande problema da polícia é a necessidade de reestruturar o seu serviço de inteligência.

Ajuste fiscal indefinido

Mesmo com a decisão do Tribunal de Contas da União ( TCU ) determinando que o Ministério da Economia estenda o Regime de Recuperação Fiscal (RFF) do Rio , até que analise a proposta de prorrogação do ajuste, há muitas incertezas no ar. No próximo dia 5, vence o acordo que suspendeu o pagamento da dívida do Rio com a União. O estado sustenta que a continuidade do acordo é automática, diferentemente da Secretaria do Tesouro Nacional. Preste a ficar sem ajuda, a Secretaria estadual de Fazenda decidiu formalizar o pleito dentro do prazo.

O governo admite que, sem o socorro da União, seria inviável pagar os salários de outubro aos servidores. Para o economista André Luiz Marques, do Insper, ganhar tempo não será suficiente para o Rio chegar ao fim do regime com uma situação financeira equilibrada: "é preciso mostrar comprometimento com a causa, ganhar credibilidade. Não se ganha nada no papinho de boteco".

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Encarregado de analisar o cumprimento do acordo, o Conselho de Supervisão do RRF tem feito severas críticas devido ao descumprimento de medidas de ajustes e de vedações.

Educação sem plano

Enviar para a Alerj o novo plano estadual de educação e resolver problemas como falta de pessoal, deficiência de infraestrutura e superlotação de colégios da rede do estado vão estar na agenda do novo governador. Mas a maior dor de cabeça que Castro terá nos próximos dias será a volta às aulas presenciais. Wilson Witzel já tinha autorizado o retorno das escolas particulares em setembro e das públicas em outubro. Resta saber se esse calendário será mantido.

Uma das coordenadoras do Fórum Estadual de Educação, Léa Cutz, conta que o novo plano estadual de educação está adormecido na Secretaria da Casa Civil há um ano.

"Ele fixa 20 metas, que cobrem, por exemplo, o ensino, o financiamento da educação e a democracia. O plano anterior está vencido há cerca de três anos", conta Léa, acrescentando que, esta semana o fórum divulgará nota pedindo que as aulas presenciais não sejam retomadas este ano.

Para Marta Moraes, da coordenação do Sepe, melhorar as condições dos 1.276 colégios estaduais, onde estudam 700 mil alunos e trabalham 60 mil professores é um dos desafios de Castro.

Tempestade da Saúde

A Saúde enfrenta uma “tempestade” no Rio. Além da pandemia do novo coronavírus, as denúncias de corrupção na área foram o estopim para o afastamento de Witzel. O governador em exercício enfrentará não só os desdobramentos desses escândalos como um processo de mudança na gestão do setor, com a proposta de uma gradual substituição das Organizações Sociais (OSs) pela Fundação Estadual de Saúde na administração das unidades.

No que tange ao controle da pandemia , o infectologista Alberto Chebado frisa que a luta está longe do fim. E ele ressalta também o papel importante que o governo terá na hipótese de uma vacinação em massa da população.

"É uma logística que vai envolver as prefeituras , mas também o apoio do estado", afirma Chebabo, que destaca que a pandemia ainda não está sob controle e projeta: "devemos ter períodos de pequenos aumentos nos casos. Vamos viver isso por pelo menos mais um ano e meio".

Isso ocorrerá num cenário no qual as restrições deste ano provocaram atrasos no diagnóstico e no tratamento de doenças como o câncer.

Transparência total

Além do afastamento de Witzel , nos últimos anos assistiu-se à prisão de cinco ex-governadores do Rio acusados de corrupção. São circunstâncias que, para especialistas, impelem qualquer nova liderança estadual a ter como prioridade o combate a crimes e desvios na administração pública. Se algumas medidas dependem dos órgãos de controle e de punições efetivas da Justiça, outras estão ao alcance do governador, diz o economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas. Na avaliação dele, dotar o estado de mais transparência é um dos aspectos principais, lançando mão de ferramentas já conhecidas.

"A transparência facilita o controle social sobre o gasto público. É um caminho viável", diz o economista, lembrando que o fortalecimento de órgãos como ouvidorias e controladorias também pode ser benéfico.

No ranking da Transparência Internacional sobre disponibilidade de informações claras a respeito das contratações emergenciais para o combate à pandemia de Covid-19, o Rio aparece apenas no 20º lugar entre os 27 estados do país.