Bolsonaro ignorou fatos e exemplos mundiais em pronunciamento sobre coronavírus
Presidente Bolsonaro foi na contramão de todas orientações de especialistas e medidas adotadas mundialmente no combate ao novo coronavírus
Por Agência O Globo | | Alice Cravo |
Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV nesta terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro pediu a reabertura do comércio e das escolas e o fim do "confinamento em massa", o que contraria todas as orientações de especialistas e as medidas adotadas mundialmente no combate ao novo coronavírus, que já deixou 46 mortos no país em um mês de doença. Durante o pronunciamento, houve panelaço em todas as regiões do país e logo em seguida, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, rebateu Bolsonaro: 'Brasil precisa de liderança séria, responsável e comprometida com vida e saúde da população'.
Assista ao vídeo:
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Veja aqui os fatos e as recomendações ignoradas por Bolsonaro durante o pronunciamento :
“Devemos sim voltar à normalidade”
“Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa” - Jair Bolsonaro
O isolamento social foi uma medida de combate ao coronavírus adotada globalmente por países e é uma da recomendações das autoridades de saúde para combater a propagação do novo coronavírus e reduzir o número de infectados. Apesar de não serem grupo de risco, os jovens também devem ficar em isolamento, por serem responsáveis pela maior parte das transmissões, uma vez que a doença costuma se manifestar de forma assintomática ou de forma muito branda neste grupo. Praticamente todos os países que registraram casos da doença adotaram as medidas de isolamento. Mais de cem países fecharam todas as escolas. O calendário esportivo foi praticamento paralisado por completo, inclusive as Olimpíadas de Tóquio. Neste momento, 2,6 bilhão de pessoas estão em isolamento, um terço da população mundial.
Edimilson Migowski, infectologista da UFRJ, explica que a quarentena — que inclui o fechamento de escolas e comércio, medidas condenadas por Bolsonaro — é “horrível, mas necessária”.
"A Covid-19 é uma doença contagiosa e toda a população está vulnerável, já que não existe uma vacina ou um antiviral licenciado para este fim. Por isso há um grande potencial de que muitas pessoas adoeçam ao mesmo tempo", assinala o infectologista. "Imagine, por exemplo, que 100 mil pessoas adoeçam na Rocinha. Sabemos que 20% delas terão uma doença moderada e 5%, grave. Isso significa que 5 mil pessoas precisarão de suporte de terapia intensiva. Isso tudo considerando apenas um bairro do Rio".
A Sociedade Brasileira de Infectologia declarou que “também concordamos que devemos ter enorme preocupação com o impacto socioeconômico desta pandemia e a preocupação com os empregos e sustento das famílias. Entretanto, do ponto de vista científico-epidemiológico, o distanciamento social é fundamental para conter a disseminação do novo coronavírus, quando ele atinge a fase de transmissão comunitária”.
"Gripezinha ou resfriadinho"
"Caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria acometido, quando muito, por uma gripezinha ou resfriadinho" - Jair Bolsonaro
Apesar de se manifestar, na maioria dos casos, com sintomas iguais ao de uma gripe, o coronavírus tem alto potencial para causar sérias complicações com o desenvolvimento da doença, inclusive em pessoas que não fazem parte do grupo de risco. Os quadros graves estão associados ao desenvolvimento de complicações respiratórias, sendo necessário o uso de respiradores. Em alguns casos, pessoas que foram acometidas pela doença mas não desenvolveram para sintomas mais graves, relatam intensa dor no corpo, falta de ar e fortes dores abdominais.
“Brevemente passará”
“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará. Nossa vida tem que continuar” - Jair Bolsonaro
O próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já afirmou repetidas vezes, que o número de casos subirá aceleradamente em abril e maio e só deve começar a cair em agosto, com "queda brusca" a partir de setembro. O ministro ainda declarou que o sistema de saúde brasileiro deve entrar em "colapso" em abril, explicando que o termo se refere a uma situação onde não é possível conseguir atendimento médico — esse seria o cenário atual da Itália, que superou a China em número de mortos.
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"Claramente no final de abril nosso sistema entra em colapso. O que é um colapso? Às vezes as pessoas confundem colapso com sistemas caóticos, com sistemas críticos, aonde você vê aquelas cenas, pessoas nas macas. O colapso é quando você pode ter o dinheiro, você pode ter o plano de saúde, pode ter a ordem judicial, mas simplesmente não há um sistema para você entrar. É o que está vivenciando a Itália, um dos países de primeiro mundo, atualmente, não tem aonde entrar", disse Mandetta.
A cidade chinesa de Wuhan, onde a epidemia se iniciou, começou a tentar retomar sua rotina apenas nesta quarta-feira, após quase três meses de um bloqueio total. Não há como prever exatamente por quanto tempo o Brasil e o mundo enfrentarão a Covid-19.
Por que fechar escolas?
“O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima de 60 anos. Então, porque fechar escolas?” - Jair Bolsonaro
Em sua maioria, as crianças têm desenvolvido uma forma leve ou assintomática da doença, o que dificulta rastreá-la neste público. Sem saber que carregam o vírus, elas passam a por em risco os mais velhos. Mais de 1,3 bilhão de estudantes estão sem aula em 138 países, incluindo os Estados Unidos, segundo a Unesco. A medida é adotada para evitar aglomerações e diminuir a velocidade do contágio.
Segundo a OMS, na Itália, 1.800 pessoas na faixa de 30 anos estão com pneumonia por conta do coronavírus.
Para Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Bolsonaro assumiu uma “atitude irresponsável” ao pedir a reabertura das escolas e desconsiderou que existe toda uma "cadeia de transmissão bem óbvia". O especialista aponta que o discurso do presidente colocou em risco a população, “principalmente a vida dos mais pobres e dos mais vulneráveis”.
"Crianças não vão sozinhas para a escola. Elas têm pais, têm professores. Há toda uma cadeia de transmissão, bem óbvia. E as crianças não adoecem com gravidade, mas transmitem o vírus", ressalta Chebabo, que também é diretor médico do Hospital Clementino Fraga Filho. "É um desestímulo à parte da população que tem agido com responsabilidade".
“Raros são os casos”
“Raramente são os casos fatais de pessoas sãs acima de 40 anos de idade” - - Jair Bolsonaro
Minimizar o impacto do coronavírus nos mais jovens, mesmo entre os que não apresentam comorbidades, é um equívoco já ressaltado pelo diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, na última sexta-feira.
"Tenho uma mensagem para os jovens: vocês não são invencíveis. Esse vírus pode levá-los ao hospital por semanas, e até matá-los”. Na Itália, 1.800 pessoas na faixa de 30 anos estão com pneumonia por conta do coronavírus.
“Meu histórico de atleta”
“No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar” - Jair Bolsonaro
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Aos 64 anos, Bolsonaro faz parte do grupo etário de maior risco. E a lista de atletas profissionais jovens contaminados inclui o ala da NBA Kevin Durant e os outros 11 jogadores da liga de basquete.